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I. SUMÁRIO

Nós tivemos paz antes. Vários acordos de paz falharam no passado e os angolanos agora entendem que a paz significa mais que o silenciar das armas. Como nos tempos de guerra, os angolanos ainda lutam para sobreviver e sabemos que para que a paz prevaleça, governo e sociedade civil devem trabalhar para superar os desafios de e para paz.

  • Ativista angolano dos direitos humanos, Luanda, 16 de Março de 2003.

  • Após três décadas de guerra civil, milhares de mortos e deslocamento em massa de sua população, a morte, em Fevereiro de 2002, de Jonas Savimbi, líder da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), levou à assinatura do cessar-fogo de quatro de abril do mesmo ano e pôs um fim ao sangrento conflito angolano. A paz trouxe esperança, mas também novos desafios e prioridades para Angola. Um dos desafios mais importantes enfrentados pelo país em sua transição para a paz será o retorno e integração de milhões de deslocados internos, refugiados nos países vizinhos e os ex-combatentes deslocados durante o conflito.

    Um ano após a assinatura do acordo de paz, mais de dois milhões de pessoas deslocados internos e aproximadamente 25 por cento dos refugiados vivendo no exterior já retornaram para seus lugares de origem. No entanto, a grande maioria desses deslocados permanece no exílio, em centro de trânsito ou acampamentos temporários. Tragicamente, o retorno das pessoas deslocados internos—freqüentemente sem qualquer assistência formal—tem causado centenas de mortes e ferimentos, devido principalmente a ampla presença de minas terrestres em Angola, e colocou centenas de milhares de civis em necessidade urgente de assistência e proteção.

    A Human Rights Watch acredita que o sucesso da transição da guerra para uma paz duradoura depende do respeito aos direitos fundamentais desses três grupos. Particularmente, as autoridades angolanas e das Nações Unidas (ONU) devem garantir a segurança, a entrega de suprimentos de ajuda humanitária e fornecer educação e outros serviços básicos para aqueles em centros de trânsito. Devem ainda garantir condições semelhantes nas áreas de retorno dos deslocados internos, refugiados e ex-combatentes. As autoridades angolanas e as agências da ONUdeveriam prestar atenção especial às necessidades das mulheres, crianças e outros grupos vulneráveis. A não garantia dessas normas—e logo—poderá agravar a situação atual, ameaçar o processo de paz e minar as esperanças de desenvolvimento.

    Mais importante, o governo angolano deve respeitar a legislação internacional e nacional que requer que o reassentamento dos deslocados de guerra seja voluntário. Não obstante a nova legislação designada a regular o processo de reassentamento (Normas para o Reassentamento dos Deslocados Internos, NRDI), as autoridades angolanas têm induzido ou forçado a muitas pessoas deslocadas dos seus locais de origem, a retornar com promessas falsas sobre as condições das áreas para as quais foram enviadas. Em um caso relatado a Human Rights Watch, na província do Bengo, policiais angolanos entraram em um centro de trânsito e queimaram as casas e as lavouras dos deslocados que ai habitavam. Em alguns instantes, como revelado na província do Uíge, as autoridades locais restringiram ou desencorajaram o movimento dos deslocados internos. Aqueles que retornaram encontraram condição abismal com falta de alimento, falta de saneamento básico, infra-estrutura, acesso limitado a serviços sociais básicos tais como saúde, educação bem como adicionalmente, infestação de minas terrestres.

    Os refugiados angolanos, a maioria dos quais se exilou na República Democrática do Congo (RD do Congo) e na Zâmbia, retornou para Angola espontaneamente com seus limitados recursos. Alguns retornados foram extorquidos nas fronteiras e pontos de checagem. Outros se afogaram quando tentavam atravessar os rios locais no retorno a Angola. Nas áreas de fronteira, mulheres e meninas tem sido vítimas de estupro e outras formas de abuso sexual. Até o momento de elaboração deste relatório, as condições para receber esses retornados não estavam estabelecidas. Os centros de trânsito ou temporários não haviam sido construídos nas localidades de entrada mais importantes nas províncias fronteiriças. A maior parte dessas áreas de retorno não são nem seguras, nem acessíveis às agências humanitárias. As autoridades estariam dedicando seus recursos limitados à assistência dos ex-combatentes e, em menor grau, aos deslocados internos.

    A integração dos ex-combatentes, cujos números variam amplamente, seria um outro desafio importante. Para complicar ainda mais essa situação, os ex-combatentes têm sido classificados ora como deslocados internos ou refugiados retornados para garantir seu acesso à assistência humanitária. Geralmente, mulheres e meninas, inclusive ex-combatentes, esposas e viúvas de combatentes têm sido excluídas do processo de desmobilização. Sozinhas, elas arcam com o peso de sua própria subsistência assim como de seus filhos. Crianças soldado, meninos e meninas com dezessete anos ou menos, também têm sido excluídos dos benefícios do programa de desmobilização.

    Após décadas de guerra civil, a infra-estrutura em Angola está em ruínas. Minas terrestres infestam o interior do país e hospitais, centros de saúde e escolas foram destruídos durante o conflito. Uma falta de profissionais qualificados no interior significa que os serviços básicos de saúde e educação não estão disponíveis para a maioria da população. A Human Rights Watch está preocupada que o esforço para desenvolver a infra-estrutura devastada em Angola não ignore as necessidades daqueles angolanos que permaneceram nos seus lugares de origem durante a guerra civil.

    Este breve relatório se baseia em pesquisa conduzida pela Human Rights Watch em Março e Abril de 2003. Nossos pesquisadores entrevistaram mais de cinqüenta deslocados internos, refugiados e ex-combatentes em centros de trânsito e nos campos de Bengo, Bengo II e Kituma, na província do Uíge e Cazombo, na província do Moxico.

    Os pesquisadores da Human Rights Watch realizaram vinte e uma entrevistas com agências da ONU e ONGs todas relacionadas ao tema, inclusive o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Segundo o Escritório de Assuntos Humanitários da ONU (OCHA), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (PAM), OXFAM-GB, GOAL, African Humanitarian Aid (AHA), Médecins sans Frontières (MSF-Espanha e MSF-Bélgica), Jesuit Refugee Service (JRS), Lutheran World Federation (LWF), Fundo Monetário Internacional (FMI, Banco Mundial), Trócaire, Liga da Mulher Angolana. LIMA, Mulheres, Paz e Desenvolvimento e a Associação Justiça, Paz e Democracia. Os pesquisadores também entrevistaram autoridades angolanas da administração nacional e autoridades angolanas em três províncias. Neste relatório, quando necessário, os nomes dos entrevistados foram mantidos em sigilo ou modificados para sua própria proteção.



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    Agosto 2003
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