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VII. O FUTURO

No futuro, eu gostaria de voltar a Huambo e à escola. Deveria estar agora na sexta classe da escola primária, porém o problema é que não há ninguém para me ajudar. Estou sozinho. Preciso de materiais escolares, cadernos, canetas e papel, mas não tenho dinheiro para comprá-los. Quem é que vai me ajudar?

-Luiz J., 3 de dezembro de 2002

Crianças ex-soldados entrevistadas para este relatório falaram de suas incertezas quanto ao futuro e quanto à possibilidade de sua reintegração à vida civil. Revelaram, por exemplo, seus sentimentos quanto à falta de reconhecimento pelo serviço que prestaram ao país e seus temores quanto ao encerramento dos acampamentos e à possibilidade de serem novamente abandonadas. Apesar dos programas já planejados atualmente poderem atender às necessidades de algumas, é possível que muitas outras não sejam assistidas devido à falta de recursos dedicados às crianças-soldados. Mais ainda, os planos para sua reintegração têm que ser coordenados com os atuais esforços para reconstruir Angola, ou então correm o risco de não serem mais eficazes. Problemas tais como a contaminação das minas, o retorno forçado das pessoas deslocadas e o mau estado da infra-estrutura de educação e saúde têm que ser tratados adequadamente para que os programas de reabilitação destas crianças tenham sucesso.

O número de minas terrestres em Angola atualmente é desconhecido. As agências da ONU estimaram que podem existir até 15 milhões de minas, ao passo que as organizações não governamentais envolvidas na remoção de minas, entrevistadas para este relatório, acreditam haver um pouco mais de 1 milhão delas.77 Todos os parceiros e interessados concordam que a presença de minas terrestres em Angola continua a prejudicar o acesso humanitário, a reintegração dos refugiados e deslocados, e o re-assentamento de civis em suas comunidades de origem.

Durante a pesquisa para este relatório em novembro e dezembro de 2002, várias pessoas ligadas à área de assistência humanitária foram mortas e outras foram feridas em incidentes com minas, quando tentavam entrar em contato com populações deslocadas pela guerra. Nas províncias do Bié, da Huila e do Cuando Cubango, veículos que circulavam sobre estradas abertas pelo Governo acionaram minas e provocaram mortes e ferimentos de passageiros. Nestes casos, acredita-se que as fortes chuvas trouxeram à superfície minas antes enterradas mais profundamente, ou então que os veículos, ao tentar desviar-se de grandes poças criadas pelas chuvas, afastaram-se do caminho de terra seguro, de onde as minas haviam sido removidas. Outra pessoa da área humanitária, trabalhando nas áreas de agrupamento da província da Huila, relatou que três crianças que brincavam na periferia destas áreas tinham sido feridas em incidentes separados com minas desde junho de 2002. Ela acredita que a falta de informação precisa sobre a contaminação por minas e a falta de garantias de que as áreas de reassentamento estejam livres de minas continuam a prejudicar o processo de reassentamento.78

Quase um terço da população de Angola estará se deslocando em 2003 e a contaminação de minas é um perigo constante para toda esta população e para todos os angolanos. Os refugiados estarão voltando ao país, dentro do programa de repatriamento, e o deslocados internos estarão se reassentando em suas comunidades de origem. Para a proteção dos deslocados internos, o governo de Angola integrou os Princípios Orientadores relativos aos Deslocados Internos à legislação nacional e estabeleceu um mecanismo para sua implementação.79 A comunidade internacional e especialmente o Escritório de Coordenação dos Assuntos Humanitários (OCHA, em inglês) já atuaram com o fim de garantir que tais princípios sejam seguidos. Apesar destes esforços, os incidentes isolados de retorno forçado, em violação aos princípios, criaram incerteza quanto ao futuro de muitos residentes de acampamentos, inclusive crianças ex-combatentes. Na área de agrupamento Chicala I, na província de Moxico, um líder de acampamento expressou sua preocupação sobre o fechamento da área de agrupamento Calala, na mesma província, e a falta de áreas de reassentamento para alguns combatentes da UNITA daquele acampamento.80

As oportunidades educacionais e o acesso ao atendimento de saúde permanecem limitados para todas as crianças devido aos danos físicos às escolas, à falta de pessoal médico ou de ensino e à falta de materiais e medicamentos. Cabe ao governo a responsabilidade básica por garantir a implementação progressiva dos direitos das crianças à educação e ao mais alto padrão alcançável de saúde. A UNICEF está trabalhando junto ao Ministério da Educação e já estabeleceu um Programa de Oportunidades Educacionais que aumentará em 213.000 o número de crianças que freqüentam a escola em 2003, porém muitas outras ainda necessitam de assistência.81 A escola primária é gratuita, porém os custos dos materiais escolares e livros tornam a freqüência impossível para as crianças mais pobres e funciona como uma barreira ao ensino. Crianças ex-combatentes entrevistados pela Human Rights Watch queixaram-se de sua incapacidade para arcar com estes custos adicionais.

Para muitos angolanos, o acesso ao atendimento de saúde continua difícil devido ao custo exorbitante dos medicamentos e devido à falta generalizada de medicamentos e instalações médicas no país. As estatísticas apresentadas pelo Instituto Nacional de Estatística refletem esta falta. De cada 1.000 crianças, cerca de 250 morrem antes de atingir os cinco anos de idade e, destas, 150 morrem antes de um ano de idade.82 Apesar das taxas de infecção com o vírus do HIV/AIDS no país ainda serem baixas comparadas aos países vizinhos da região sul da África, esta taxa deverá elevar-se devido ao aumento de movimentação das populações, inclusive o retorno de pessoas deslocadas pelo conflito. Além disso, as mensurações tornar-se-ão provavelmente mais precisas e poderão revelar taxas mais altas do que as atualmente estimadas. Uma pessoa que trabalha na área de direitos das crianças em Luanda informou-nos que em levantamentos informais realizados nas áreas rurais, mais de metade da população não demonstrou estar consciente do HIV/AIDS como uma doença. Todos estes fatores parecem sugerir que o HIV/AIDS poderá vir a constituir-se em grave problema de saúde em Angola, país que já tem que enfrentar as dificuldades de um sistema de saúde inadequado.

77 Entrevista da Human Rights Watch, Luanda, 7 de dezembro de 2002; ver David Hartley, "HALO Trust in Angola," Journal of Mine Action, Número 6.2, 2002.

78 Entrevistas da Human Rights Watch, Luanda, 25 e 26 de novembro, e Moxico, 2 de dezembro de 2002.

79 Entrevista da Human Rights Watch, Luanda, 19 de novembro de 2002.

80 Entrevista da Human Rights Watch, Moxico, 4 de dezembro de 2002.

81 Agência de Imprensa de Angola, "Some 210,000 Children in the Teaching System This Year" [Cerca de 210.000 crianças no sistema de ensino este ano], 4 de março de 2003 [online], http://allafrica.com/stories/200303040544.html (consultado em 5 de março de 2003).

82 Agência de Imprensa de Angola, "250 Children Out of 1000 Die Before Five" [De cada 1000 crianças, 250 morrem antes de atingir 5 anos], 25 de janeiro de 2003 [online], http://www.unfoundation.org/unwire/util/display_stories.asp (consultado em 27 de janeiro de 2003).

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