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VIII. NORMAS LEGAIS

Sob a Constituição de Angola, é proibido o recrutamento de soldados com menos de 18 anos de idade.83 Além disso, Angola é signatária da Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar da Criança, a qual proíbe o recrutamento de crianças com menos de 18 anos e, junto à Convenção sobre os Direitos da Criança, obriga os governos a tomar providências para a proteção, atendimento e recuperação de crianças vítimas de conflitos, inclusive crianças-combatentes. Os programas existentes de desmobilização que atendem aos adultos violam o princípio básico de não discriminação estabelecido pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), ratificado por Angola em 1992. Finalmente, tanto sob a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar da Criança, Angola já reconheceu o direito de uma criança aos mais altos padrões de educação e saúde.

O decreto de Angola de 1996 sobre a aplicabilidade do serviço militar estabelece que a idade mínima para o recrutamento voluntário é de 18 anos para os homens e 20 anos para as mulheres.84 Apesar da Human Rights Watch não ter recebido nenhum relatório de que Angola estivesse recrutando ativamente soldados menores de idade, existe a preocupação de que as crianças usadas nos últimos anos da guerra possam ainda estar servindo nas FAA. O governo deve continuar a desmobilizar as crianças que serviram nas FAA e garantir que ninguém com menos de 18 anos esteja fazendo serviço militar, conforme estipula a lei nacional.

O estabelecimento dos 18 anos como idade mínima de recrutamento é reforçado pela Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar da Criança. O artigo 22 estabelece que as partes interessadas devem tomar todas as providências para garantir que nenhuma criança participe das hostilidades, além de comprometerem-se a não recrutar nenhuma criança. Estabelece ainda que os "estados partícipes... tomarão todas as medidas viáveis para garantir o cuidado e proteção das crianças afetadas por conflitos armados".85 Texto semelhante sobre o cuidado e recuperação de crianças usadas na guerra, bem como uma proibição do envolvimento de pessoas com menos de 18 anos nas hostilidades, podem ser encontrados no Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Crianças relativo à Participação de Crianças em Conflitos Armados. Angola ainda não ratificou este importante protocolo internacional.

A proteção de crianças afetadas por conflito armado é abordada ainda na Convenção dos Direitos das Crianças. Angola ratificou esta convenção em 1990, mas ainda não apresentou os relatórios atrasados ao Comitê dos Direitos das Crianças, o qual foi estabelecido para examinar o progresso e as ações tomadas pelos estados para cumprir suas obrigações sob a convenção. O artigo 38 exige que os Estados partes tomem as medidas apropriadas "para promover a recuperação psicossocial e a reintegração social de uma criança vítima de . . . conflitos armados."86 Em comentário sobre o artigo 39, o comitê "recomenda que o Estado partes estabeleça o mais rápido possível um programa abrangente e de longo prazo de assistência, reabilitação e reintegração". Esta recomendação foi posteriormente reforçada em uma interpretação do artigo 38, a qual exige a desmobilização, reabilitação e reintegração de crianças combatentes.87

Angola também participa da Convenção No. 182 da OIT, a Convenção Relativa à Proibição e Ação Imediata para a Eliminação das Piores Formas de Trabalho Infantil, a qual identifica o recrutamento compulsório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados como uma das piores formas de trabalho infantil. Nos termos do artigo 7, os Estados devem "tomar medidas eficazes e em tempo hábil para fornecer a assistência direta necessária e apropriada para remover as crianças das piores formas de trabalho infantil e para sua reabilitação e integração social" e "levar em consideração a situação especial das crianças do sexo feminino".88 Os programas existentes de reabilitação baseados na comunidade que não identificam ou tratam das necessidades específicas das crianças-soldados e das crianças do sexo feminino em particular, poderão deixar insatisfeitas as obrigações do artigo 7 desta convenção, bem como do artigo 38 da Convenção sobre os Direitos das Crianças.

Juntos, os artigos 2, 3 e 26 do PIDCP definem a não discriminação como um princípio básico e geral de proteção dos direitos humanos. Os programas de desmobilização estabelecidos depois do Memorando de Entendimento de 2002 discriminam rapazes e moças de até 17 anos que realizaram as mesmas tarefas e merecem os mesmos privilégios e reconhecimento que os de 18 ou mais anos. Apesar do Pacto não proibir expressamente a discriminação por motivo de idade, o Comitê sobre Direitos Civis e Políticos interpretou que o termo discriminação "deveria ser entendido como qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência sob qualquer motivo... e que tenha a finalidade ou efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício por todas as pessoas, em condições iguais, de todos os direitos e liberdades". O comitê comentou ainda que "a legislação... adotada por estado partícipe... deve atender à exigência do artigo 26 de que seu conteúdo não seja discriminatório".89

Estas proibições de todas as formas de discriminação não significam que toda forma de distinção é proibida. Como comentou o Comitê de Direitos Humanos, "nem toda diferenciação de tratamento constitui discriminação, se os critérios de tal diferenciação forem razoáveis e objetivos".90 Mas, no caso da desmobilização em Angola, não parece razoável distinguir entre grupos que de outra forma seriam similares, exclusivamente por motivo de idade. Ao contrário, pode-se argumentar que deveriam ser criados programas adicionais para as crianças tendo em vista sua maior necessidade de assistência.

A freqüência à escola primária em Angola é um pouco superior a 50% e muitas crianças não têm nenhum acesso ao atendimento mais básico de saúde, depois de décadas de guerra civil que arrasaram o interior do país.91 É necessária a aplicação de fundos do governo nestas áreas para permitir que Angola cumpra sua promessa de atingir uma situação de educação gratuita e compulsória e serviços básicos de saúde, conforme estipula a Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar das Crianças e a Convenção sobre os Direitos da Criança.

83 "O serviço militar é obrigatório. A lei define as formas do seu cumprimento." Lei Constitucional da República de Angola, art. 152(2). Quanto ao recrutamento à idade de 20 anos, ver Lei 1/93. Quanto à idade de 18 anos para o serviço voluntário, ver Decreto No. 40/96, 13 de dezembro de 1996.

84 Ibid.

85 Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar das Crianças, artigo 22. Angola ratificou a carta em 1992.

86 Convenção sobre os Direitos da Criança, artigo 39.

87 Comentários do Comitê sobre os Direitos da Criança no artigo 39, Serra Leoa, IRCO, Ad. 116, para. 74. Ver os Comentários ao Artigo 8, Serra Leoa, IRCO, Ad. 1.

88 Convention ILO 182 - Convenção Relativa à Proibição e Ação Imediata para a Eliminação das Piores Formas de Trabalho Infantil, Artigo 7, 17 de junho de 1999.

89 Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, artigos 2, 3 e 26. Ver Comitê dos Direitos Civis e Políticos, Comentário Geral 18, Não-Discriminação, parágrafos 7 e 12, Doc. da ONU HRI\GEN\Rev.1 em 26 (1994).

90 Comitê de Direitos Humanos, Comentário Geral 18, Não-Discriminação, parágrafos 13, 37a. sessão, 1989.

91 UN Wire, Angola: UNICEF Study Finds 25 Percent Mortality Among Children Under 5 [Angola: Estudo da UNICEF Constata 25% de Mortalidade Entre Crianças com Menos de 5 Anos], 24 de janeiro de 2003.

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