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III. Detenção juvenil no Rio de Janeiro

Na última visita da Human Rights Watch aos cinco centros de detenção juvenil do Rio de Janeiro, em julho e agosto de 2003, encontramos um sistema decrépito, imundo e perigosamente superlotado.  Quase sem exceção, as instalações que vimos não atendiam aos mais básicos padrões de saúde ou higiene.  As reclamações de maus tratos eram rotineiramente ignoradas pelo Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas, DEGASE, órgão estadual responsável pelos centros de detenção juvenil do estado.  O sistema carecia de uma supervisão eficaz. Mais particularmente, as sanções administrativas contra os agentes eram raras e nenhum dos nossos entrevistados tinha conhecimento de um caso em que um agente tenha sido criminalmente condenado por comportamentos abusivos.8

Ao voltar em maio de 2005, vimos que muito pouco tinha mudado, apesar dos protestos do DEGASE em contrário.  Como este relatório documenta, as condições em vários centros de internação pioraram, com deficiências críticas de pessoal, alimentos e vestuário, continuação das agressões físicas e uma sordidez generalizada.

A lei brasileira de justiça juvenil, o Estatuto da Criança e do Adolescente, comemora seu décimo quinto aniversário em julho de 2005.  O estatuto é uma lei de texto modelar e, em alguns aspectos, supera as garantias previstas na Convenção sobre os Direitos da Criança, tratado internacional que rege os direitos das crianças, que Brasil ratificou em 1990.

No Rio de Janeiro, o sistema estadual de justiça juvenil serve a aproximadamente 2.000 jovens, dos quais cerca de 900 aguardam julgamento ou servem períodos de internação.9  Para esses jovens, o estatuto continua uma promessa vazia.

Juventude e crime

Contrário à percepção popular, poucos delitos violentos são cometidos por jovens com menos de 18 anos.  Em 2001, por exemplo, identificou-se que os jovens com menos de 18 anos foram responsáveis por aproximadamente 2,2% dos homicídios e 1,6% dos roubos com ameaça ou uso de força, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro.10

Os dados mais recentes da Secretaria de Segurança Pública e da 2ª Vara da Infância e da Juventude mostram índices igualmente baixos de delitos violentos cometidos por jovens.  Sabe-se que os jovens com menos de 18 anos foram responsáveis por menos de 1% dos homicídios em 2003 e 2004, e por 1,5 a 3,6% dos roubos com ameaça ou uso de força em 2003.11  As comparações diretas desses dados são difíceis. Os dados da 2ª Vara da Infância e da Juventude mostram o número de jovens considerados culpados por algum ato particular, enquanto que os dados da Secretaria de Segurança Pública se baseiam em relatatórios de crimes.  Além disso, as categorias usadas em cada um desses conjuntos de dados podem diferir ligeiramente.  Mesmo assim, estes dados mais recentes apóiam de forma geral a conclusão de que a maioria esmagadora dos crimes violentos são perpetrados por adultos, ao invés de  jovens com menos de dezoito anos.

Contrário a uma outra percepção comum mas errônea, os jovens que servem suas penas em centros de detenção juvenil não estão presos exclusivamente por homicídio, roubo e outros crimes violentos, como demonstra o gráfico abaixo.

Jovens internos por infrações não violentas no Rio de Janeiro

Centro

Furto

Regressão de medida

Tráfico sem violência

Porte de arma

Desacato e resistência a apreensão

CAI-Baixada*

7

--

53

--

0

João Luiz Alves

4

8

9

0

0

Santo Expedito

3

27

22

1

0

Santos Dumont

4

0

9

0

1

Total

18

35

93

1

1

*Quando da obtenção dos dados para o CAI-Baixada, o centro tinha 10 jovens recém-chegados cujas  infrações eram desconhecidas.

FONTE: DEGASE, “Planilha de adolescentes internos – Centro de Atendimento Intensivo–Belford Roxo,” 31 de maio de 2005; DEGASE, “Planilha de adolescentes internos – Escola João Luiz Alves,” 30 de abril de  2005; DEGASE, “Planilha de adolescentes internos – Educandário Santo Expedito,” 31 de maio de 2005; DEGASE, “Planilha de adolescentes internos – Educandário Santos Dumont,” 30 de abril de  2005

Estes dados sugerem que a internação no Rio de Janeiro não é usada somente como uma medida de último recurso, conforme exige o direito internacional e o Estatuto da Criança do Brasil. Na verdade, o estatuto dispõe: “A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.”12



[8] Ver Human Rights Watch, “Verdadeiras masmorras”, págs, 29-32.

[9] O restante cumpre outras medidas, tais como libertade assistida ou prestação de serviço comunitário.  Ver Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, “Levantamento estatístico do número de adolescentes cumprindo medidas sócio-educativas, no Brasil, em janeiro de 2004,” www.presidencia.gov.br/sedh (consultado em maio de 28, 2005); Waleska Borges, “ONG denuncia ‘masmorras’ do Rio:  Relatório sobre institutos para menores infratores aponta abusos e agressões onde jovens deviam ser recuperados,” Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 8 de dezembro de 2004, pág. A13 (2.300 jovens no sistema de justiça juvenil, de acordo com o diretor geral do DEGASE, Sérgio Novo).

[10] Ver Núcleo de Pesquisa e Análise Criminal, Secretaria de Estado de Segurança Pública, Coordenadoria de Segurança, Justiça, Defesa Civil e Cidadania, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Anuário estatístico do núcleo de pesquisa e análise criminal (Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de Janeiro, 2002), http://www.novapolicia.rj.gov.br/f_aisp2.htm (consultado em 1 de novembro de 2004). Ver também Luke Dowdney, Crianças do Tráfico de Drogas:  Um estudo de caso de crianças em violência armada organizada no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro:  7 Letras, 2003), pág. 119; Human Rights Watch, “Verdadeiras masmorras”, pág. 17-20.

[11] A faixa de roubos com ameaça ou uso da força reflete o fato de que a secretaria estadual de segurança pública agrega os roubos de veículos com ameaça ou uso da força aos delitos menos graves de furto de veículos.  A porcentagem mais alta da faixa inclui roubos e furtos de veículos; a porcentagem mais baixa exclui os últimos.  Omitimos os resultados de roubos com ameaça ou uso de força em 2004 porque os dados dos tribunais juvenis para esse ano são atípicos.  Ver Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Segurança Pública,         Instituto de Segurança Pública, Núcleo de Pesquisa em Justiça Criminal e Segurança Pública, Boletim mensual de monitoramento e análise (Rio de Janeiro:  Núcleo de Pesquisa em Justiça Criminal e Segurança Pública, 2005); Vara da Infância e da Juventude, Comarca da Capital, “Quadro estatístico comparativo, 1996 a 2004,” n.d., pág. 3-4.

[12] Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 122.


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