publications

<<precedente  |  índice  |  seguinte>>

VII. A inadequação dos atuais esforços de monitoramento

Muitos abusos nos centros de internação juvenil ocorrem porque são instituições fechadas, sujeitas a pouco escrutínio do mundo exterior.  Os espancamentos e outros tratamentos cruéis e degradantes são produto de uma falha sistêmica da responsabilidade perante o público.  Em reconhecimento desse fato, as normas internacionais recomendam um monitoramento independente e objetivo dos centros de internação juvenil como uma salvaguarda essencial contra os abusos no processo de detenção.111 É menos provável ocorrerem abusos se as autoridades souberem que instituições independentes inspecionarão suas instalações e atrairão a atenção para os possíveis abusos aí praticados.  Um acesso freqüente e garantido às unidades de internação juvenil por parte de uma variedade de monitores independentes – defensores públicos, promotores, juízes, grupos de direitos humanos nacionais e internacionais, além de comissões do legislativo – podem ter um papel extremamente positivo na prevenção ou minimização dos abusos dos direitos humanos.

A Secretaria Estadual da Infância e Juventude, à qual o DEGASE está agora subordinado, tomou várias providências encorajadoras nos últimos meses.  Depois de receber informes do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente sobre abusos no Padre Severino, ela iniciou sua própria investigação e finalmente ordenou o afastamento do diretor do centro, juntamente com vários agentes.112  Mais recentemente, ela deu a entender que proporá a criação de uma corregedoria da internação juvenil, independente do DEGASE.

Sem monitoramento independente, seguida de sanções administrativas eficazes e da abertura de processos nos casos apropriados, os tipos de abusos que descrevemos neste relatório e em nosso relatório anterior continuarão impunes.

Impunidade

Em nosso relatório de dezembro de 2004, constamos que a maioria dos centros de internação deixam de investigar queixas sobre abusos e que as sanções administrativas são raramente impostas na prática.  Nenhuma autoridade com a qual conversamos sabia de algum caso de agente que tenha sido condenado por conduta abusiva.113

Esforços separados de investigação do Comitê de Monitoramento do Sistema de Justiça Juvenil do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente, da Secretaria de Estado da Infância e Juventude, da Defensoria Pública, do Centro pela Justiça e Lei Internacional, e pelo próprio DEGASE constataram apenas cinco casos criminais que já foram a julgamento contra agentes e outros funcionários do DEGASE, por abusos contra os jovens.114  Somente um desses casos, de 1994, terminou em condenação e prisão.  Um dos condenados nesse caso, Jurandir Rodrigues da Costa, ainda não serviu até agora a pena de quatro anos e um mês que recebeu.115  Quatro casos ainda estavam pendentes, um de 1999, outro de 2002 e dois outros de agosto de 2004.

O Juiz Vianna citou o único caso de condenação e prisão como indicação de que o sistema de justiça juvenil dispõe de mecanismos de responsabilização.116  No entanto, o fato de que há somente um único caso de condenação e prisão por abusos, depois de bem mais de uma década de alegações freqüentes e confiáveis sobre a ocorrência desses incidentes, leva justamente à conclusão oposta: a de que as autoridades estaduais deixaram sistematicamente de investigar e punir tratamentos cruéis e degradantes e outros abusos semelhantes.  A impunidade é a regra no DEGASE, algo que não deverá mudar, a não ser que mecanismos de monitoramento sejam criados, reformados ou  revigorados.117

A Corregedoria do DEGASE

A falta de um monitoramento interno eficaz é devida em parte ao fato de que a Corregedoria do DEGASE padece de uma falha estrutural, já que ela se reporta ao diretor geral do departamento.  Como disse o Subsecretário de Estado da Infância e Juventude: “Isso está errado.  Eu me auto-investigar?  Isso não dá certo.”118  De acordo com o Subsecretário Steele, o Diretor Geral do DEGASE tem autoridade para indicar e afastar o corregedor geral e uma ação desse tipo só necessita da aprovação do governador do estado.119  A falta de independência da corregedoria significa que ela é incapaz de monitorar o departamento com eficácia.

A Secretaria de Estado da Infância e Juventude, secretaria que agora tem a responsabilidade pelo DEGASE, está preparando uma proposta que removeria a Corregedoria do DEGASE e a colocaria, em vez disso, como entidade separada, direta e autônoma dentro da secretaria.  Esta proposta é promissora, particularmente se uma corregedoria independente desse tipo tiver pleno acesso aos locais de detenção e plenos poderes de investigação para levar a cabo sua incumbência.  Ela também deve ter autorização para receber reclamações diretamente e para encaminhar casos ao Ministério Público.  Além disso, deve ser-lhe exigido que relate suas constatações publicamente.

A ausência de monitoramento pelo Ministério Público do Estado

Mesmo uma corregedoria independente não pode fazer tudo para combater a impunidade se o Ministério Público não exercer também seu próprio papel de monitoramento.  Apesar de ter o mais importante e abrangente mandato de supervisão do sistema de justiça juvenil, o Ministério Público não tem assumido este papel, de modo geral, e tem se concentrado quase que exclusivamente no processo de acusação de infratores adolescentes.

O Artigo 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente outorga vários poderes e deveres jurídicos de supervisão e investigação ao Ministério Público.  Em particular, nos termos do Artigo 201(XI), os promotores públicos têm poderes para “inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os programas de que trata esta Lei, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades porventura verificadas.”120  Ao exercer esta função, os representantes do Ministério Público têm “livre acesso a todo local onde se encontre criança ou adolescente.”121  Entre outras medidas que os promotores públicos podem adotar em resposta às violações é a de mover uma ação civil pública, procedimento que equivale à uma ação coletiva contra o estado.122

Mas os promotores raramente exercem esta função de monitoramento.  Perguntamos a Marinete Laureano, diretora do Santos Dumont, se os promotores inspecionaram alguma vez o centro de internação que ela dirige.  “Muito difícil”, respondeu ela, querendo dizer que algo assim só acontecia raramente, se é que acontecia.123  Os advogados da Defensoria Pública expressaram dúvidas semelhantes de que os promotores realizassem inspeções em alguma ocasião.  “A nossa equipe vai para esses centros, [João Luiz Alves e Santos Dumont], toda semana, e nunca vimos eles [o Ministério Público] lá”, disse Eufrásia Souza à Human Rights Watch.124  Na verdade, o website do Ministério Público tem formulários de inspeção para prisões de adultos, abrigos e celas de detenção da polícia, porém não há aí nenhum formulário para inspeções dos centros de internação juvenil, o que indica que os promotores não fazem este tipo de inspeções como rotina.125

O Ministério Público não ignora as alegações de abusos nos centros de internação juvenil do Rio de Janeiro.  Os representantes da Human Rights Watch reuniram-se com promotores três vezes nos últimos dois anos, mais recentemente em maio de 2005.  Márcia Castro, advogada do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Fundação Bento Rubião, comentou: [j]á encaminhamos denúncias [sobre o DEGASE] para o Ministério Público, mas não vi muita ação não.” 126

Estamos informados sobre apenas dois casos nos últimos anos em que os promotores tentaram inspecionar um centro de internação juvenil.  Um deles foi em novembro de 2002, quando promotores do estado visitaram o Santo Expedito a convite da Defensoria Pública, depois que uma rebelião importante deixou um morto, vários feridos e a maior parte do centro em chamas.127  Os promotores nunca deram seguimento à sua visita e nunca retornaram ao centro desde então.  “Eu pergunto toda vez que eu vou lá [para o Santo Expedito].  Eles nunca vêm”, disse Fabrício El-Jaick, advogado da Defensoria Pública.128

O segundo caso, como relatado em nosso relatório de dezembro de 2004, foi uma inspeção de surpresa do Padre Severino em julho de 2003, a qual levou ao fechamento de uma cela de punição extremamente apertada e sem janela.129  Esta inspeção de surpresa foi um passo raro e bem-vindo na direção de um processo de maior responsabilização.  Infelizmente, nenhum passo semelhante foi tomado novamente pela Ministério Público desde então.

Promotores públicos agora estão gradualmente implementando algumas medidas de monitoramento. Em o que um promotor descreveu como “a inauguracao de uma nova era”, uma equipe do Ministério Público visitou cada centro de internação pelo menos uma vez em 2004. Os times inspecionaram as condições físicas de cada local como também o andamento da proposta pedagógica. Constataram específicos problemas educacionais nos centros; um outro promotor relatou, “há uma falha” nesta área. Porém, como os proprios promotores reconheceram, as visitas de 2004 não foram direcionadas a investigação de possíveis casos de abusos. Inspeções relacionados a violência ainda são feitas somente em seguida ao recebimento de uma denúncia específica, normalmente vindo de um familiar dos jovens nos centros de internação.130

O Ministério Público tem estado conspicuamente ausente durante toda a atual crise do sistema de internação juvenil do Rio de Janeiro.  A Defensoria Pública já tentou preencher a lacuna, movendo ações civis públicas em nome dos jovens internos, em cada um dos cinco centros de internação, porém os juízes vêm questionando sua competência para mover tais ações.  No mínimo, o Ministério Público deveria intervir nessas ações para resolver questões de competência e permitir que elas fossem ouvidas segundo seus méritos.

Supervisão inadequada pela Vara da Infância e Juventude

A instância jurídica que trata dos delitos juvenis, a Segunda Vara da Infância e da Juventude, é a autoridade responsável pela supervisão judicial dos centros de internação juvenil.  O Juiz Vianna contou-nos que representantes desse tribunal visitam mensalmente cada um dos centros de detenção juvenil do estado e apresentam depois relatórios de inspeção dos mesmos.  Ele exibiu-nos dois relatórios recentes sobre o CAI-Baixada.  A maior parte de cada relatório consistia de informações tais como o número de jovens em detenção e o número e categoria do pessoal profissional.  Cada relatório tinha uma seção explicando os atuais problemas do centro.  O último dos dois relatórios que vimos, indicava, por exemplo, que o centro estava sujeito à falta de detergente para lavar roupas e que o pessoal já tinha alertado de que havia um risco de tentativas de fuga por parte dos internos.131

Nenhum relatório tinha uma seção sobre as violações perpetradas pelos agentes, apesar do Juiz Vianna ter-nos garantido que seu gabinete investiga a possibilidade de abusos pelos agentes.  Mas, com o correr da nossa entrevista, ele descartou inteiramente a possibilidade de espancamentos pelos agentes em todos os centros, exceto casos mais isolados.  Segundo ele, esta é uma idéia “fantasiosa”, insistindo que abusos sistemáticos “não existem”.132

Nossa entrevista com o pessoal da 2ª Vara da Infância e da Juventude, responsável pelas inspeções, explicou a falta de informações sobre abusos nos relatórios que examinamos. Duas equipes conduziam visitas a cada dois meses e não a cada mês, foi o que nos informou uma comissária judicial. "Uma equipe examina as instalações físicas e a outra avalia o cumprimento pela unidade das medidas e atividades sócio-educativas", a comissária informou à Human Rights Watch. Quando perguntamos se havia uma equipe específica para investigar os casos de abusos, a comissária disse que não, mas continuou a explicar que qualquer uma das duas equipes poderia examinar os relatos de abusos. A comissária nos disse que as equipes não examinam a possibilidade de abuso, a não ser que tenham recebido uma queixa específica.133

Perguntamos a promotores públicos se funcionários do juizado emcaminham denúncias de abusos descobertos durante suas inspeções. “Uma denúncia de abuso, uma punição por um agente que tenha passado dos limites — isso normalmente não nos  vem do funcionário. Muito raro. Normalmente isso vem de pais, entidades ou dos próprios jovens”, um promotor nos disse.134

Outros funcionários de nível superior dos centros de detenção informaram que representantes dos tribunais juvenis haviam inspecionado seus centros.  Marinete Laureano, diretora do Santos Dumont, disse à Human Rights Watch que autoridades judiciárias inspecionam regularmente o centro que dirige; ela disse que conversaram com os internos e visitaram as instalações e unidades de alojamento.135  Mas um ex-agente de outro centro de detenção não concordou com essa descrição de inspeções feitas por representantes dos tribunais juvenis.  “É verdade, eles vêm aqui sim”, disse ele.  “Mas sentam-se, tomam um café com o diretor e saem logo em seguida para escrever seus relatórios.”136

Mesmo que autoridades dos tribunais especializados na questão juvenil fizessem inspeções periódicas rigorosas que incluíssem entrevistas confidenciais com os internos, é pouco provável que os jovens relatariam casos de espancamentos e outros abusos aos representantes da autoridade responsável por sentenciá-los à detenção.  As inspeções judiciais rigorosas são um elemento importante no monitoramento do sistema de detenção juvenil, mas não podem ser os únicos responsáveis por tal mecanismo.

A Defensoria Pública do Estado

Os defensores públicos visitam praticamente todos os centros de internação juvenil, semanalmente. 137  Não há nenhuma outra entidade autônoma do governo que esteja presente com tal freqüência no sistema de internação juvenil do Estado.  Como resultado, a Defensoria Pública tem um conhecimento inigualável do sistema e goza de um alto grau de confiança por parte dos jovens internos.

Uma deficiência crônica de pessoal inibe o trabalho da defensoria.  Há atualmente tão poucos defensores públicos que alguns dos distritos judiciais do Rio de Janeiro não dispõem de um único defensor público para tratar dos seus processos juvenis.  Na prática, isto significa que fora da cidade do Rio de Janeiro alguns jovens são julgados e sentenciados sem a assistência jurídica de um advogado.138  Dentro da área metropolitana, bem como no interior do estado, os defensores públicos não podem geralmente dar assistência  aos jovens acusados quando eles são internos e questionados em delegacias, apesar de que, em teoria, um advogado deveria estar disponível para atender a esses jovens em cada passo do processo legal, depois que eles são apreendidos.  Na verdade, não é incomum que nenhum advogado de defesa esteja presente na primeira audiência de um jovem acusado com os promotores públicos.  “Seria melhor ter um defensor desde a DPCA [Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente] inclusive para estabelecer um vínculo”, disse-nos Márcia Castro, advogada da Fundação Bento Rubião.  “Os adolescentes tem que ter confiança em você.  Se não, eles não vão te contar tudo.  Acredito que tendo isso [essa presença de um defensor desde o início] mudaria muita coisa.” 139

O Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente

Em setembro de 2004, o Comitê de Monitoramento do Sistema de Justiça Juvenil do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente, dirigido na época pelo advogado Carlos Nicodemus, da organização local de direitos humanos, Projeto Legal, realizou uma inspeção do Padre Severino.  As constatações do comitê incluíram alegações de maus tratos dos jovens pelos agentes, levando a Secretaria de Estado da Infância e Juventude a instruir o DEGASE que afastasse o diretor do Padre Severino e vários agentes em outubro de 2004.140  ‘Mas, à época de preparação deste relatório, nenhuma das pessoas implicadas no relatório de setembro de 2004 havia sido indiciada criminalmente.  Mais ainda, um dos agentes implicados nos abusos já era acusado de tortura desde 2002.141

O Conselho para a Defesa da Criança e do Adolescente, entidade que inclui a sociedade civil, além de representantes governamentais, tem o potencial para ser um agente decisivo para exigir a prestação de contas por parte do DEGASE e a reforma deste órgão.  Seus conselheiros garantiram o acesso aos centros do DEGASE e podem realizar inspeções quando quiserem.  Seu Comitê para o Monitoramento do Sistema de Justiça Juvenil foi formado justamente para ser um mecanismo de supervisão.  Os resultados de sua inspeção, realizada em setembro de 2004, serviram como um importante recurso em termos de maior responsabilização.  No entanto, o conselho não dispõe de poder para garantir o cumprimento; ele tem que depender da secretaria de estado ou do Ministério Público para agir de acordo com suas recomendações.

As barreiras ao monitoramento independente da sociedade civil

É geralmente difícil para os membros da sociedade civil terem acesso aos centros de detenção juvenil e obter informações sobre os mesmos. Como disse Anderson Sanchez, representante do Sindicato dos Servidores da Secretaria de Estado e Justiça do Rio de Janeiro, à Human Rights Watch: “O estado quer tratar tanto o sistema penitenciário quanto o sistema sócio-educativo como uma caixa preta, e temos que lutar contra isso”.142

Estas barreiras começam com as restrições às visitas dos pais, as quais são normalmente permitidas uma vez por semana. As visitas se passam sob condições altamente controladas, muitas das quais com base numa justificativa válida de segurança.143  Mas, entre as regras que os pais e jovens devem observar, está uma que proíbe os jovens de levantarem suas camisas durante a visita. É difícil imaginar uma justificativa válida de segurança para esta regra, particularmente porque os visitantes passam por uma revista completa antes de entrar nas instalações. Silvia R., mãe de um jovem detido recentemente no Instituto Padre Severino, estava convencida de que essa regra era usada para ocultar provas de abuso físico. "É para a gente não ver nenhuma marca que poderia estar lá [no corpo dele]", disse ela.144

Os pais também criticaram a limitação de suas visitas a uma vez por semana. Apesar do objetivo principal dessas visitas não ser a de fazer um monitoramento, os pais sugerem que visitas mais freqüentes poderiam constituir uma verificação adicional sobre possíveis abusos e também um reforço da mensagem de recuperação que, idealmente, os centros deveriam proporcionar. Mônica Suzana, co-coordenadora do Moleque, movimento organizado por mães de jovens detidos, comentou:

Logo no momento em que os nossos filhos cometeram um erro, quando eles mais precisam de nós, logo aí nós não podemos quase estar junto deles. O estado tem que deixar qualquer movimento de mães se aliar a ele. A gente não quer guerra. A gente quer um trabalho conjunto para recuperar aqueles meninos. Eles nos afastam para poder fazer aquelas coisas absurdas, porque sabem que junto a eles ficaríamos de olho.145

O DEGASE não mantém mais nenhuma relação formal com associações de mães, se bem que, durante algum tempo, em 2002, o órgão permitiu que outro grupo de mães fizesse apresentações aos jovens internos. Depois disso, disse Rute Sales, a outra co-coordenadora do movimento Moleque: “Quando nós mães entrávamos, nos éramos sempre muito mal vistas.146  Em uma conversa posterior com a Human Rights Watch, ela acrescentou: “Mães são as que têm o desejo mais legítimo de ajudar dentro do sistema, mas mesmo assim a participação delas é desencorajada.”147

A Human Rights Watch entrou nos cinco centros de internação em julho e agosto  de 2003 com autorização judicial.  A Secretaria de Estado da Infância e da Juventude, à qual o DEGASE se subordina, autorizou  nova inspeção em maio de 2005.  Apesar disso, as autoridades do DEGASE impediram que entrássemos nos centros de internação em 24 de maio de 2005, depois de termos visitado três instituições—João Luiz Alves, Santos Dumont, and Santo Expedito.  Os pesquisadores da Human Rights Watch reuniram-se  com o chefe de gabinete do DEGASE naquela  tarde e lhe mostraram a autorização, mas ele se negou a aceitá-la.   Ao final do dia, o referido chefe de gabinete lhes telefonou alegando que o Secretário de Estado da Infância e da Juventude havia revogado a autorização de entrada.148

Quando nos reunimos no dia seguinte com José Maurício Gonçalves Costa,  chefe de gabinete da Secretaria, ele nos informou que o chefe de gabinete do DEGASE havia reportado incorretamente  sua conversa com a Secretaria.  Quando ouviu sobre a alegação do chefe de gabinete do DEGASE de que o Secretário havia revocado a nossa autorização, respondeu, “É mentira.”149

Também pedimos autorização ao Juiz Guaracy C. Vianna para entrar nas outras instituições.  Inicialmente, ele negou o pedido, dizendo, “Vocês foram à Secretaria quando deveriam ter vindo a mim primeiro, e agora não vou lhes permitir a entrada.”  Mais tarde, na entrevista, nos disse que tinha que encaminhar o pedido ao DEGASE e ao Ministério Público.  “Não posso autorizar a entrada de alguém contra a vontade do DEGASE.  Eles têm que autorizar também”, explicou.  Quando manifestamos nossas dúvidas de  que qualquer organização de direitos humanos pudesse se sujeitar a tais critérios para a entrada nos centros de internação, respondeu, “Nunca vi o DEGASE negar a entrada de ninguém que chegasse com um espírito aberto de colaboração, mas se você chegar para fazer um relatório contra alguém, contra o estado, aí é mais difícil.”150

O Ministério Público respondeu que não via problema com o pedido da Human Rights Watch.151  Até a finalização deste relatório, o Juiz Vianna não havia se  manifestado sobre o pedido.

Em contraste com o Estado do Rio de Janeiro, o Estado de São Paulo agora dá à Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco (AMAR) e a quatro outros grupos da sociedade civil acesso livre – isto é, não limitado a seminários e apresentações agendados previamente – a todos os seus centros de detenção juvenil, o que é um avanço importante no conturbado sistema de internação juvenil do estado.152  O Estado do Pará garante a representantes dos Centros de Defesa das Criança e dos Adolescentes, entidades não- governamentais, acesso às instalações de internação juvenil; a constituição do Pará permite esse acesso a “toda e qualquer entidade ligada à defesa da criança e do adolescente, legalmente constituída”.153  Internacionalmente, muitas organizações não-governamentais, inclusive a Human Rights Watch, Amnesty International e grupos locais, conduzem o monitoramento independente dos centros de detenção. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha cumpre uma função semelhante com relação às condições de detenção dos prisioneiros de guerra.



[111] Ver Regras da ONU para a Proteção de Jovens Privados da Liberdade, G.A. Res. 45/133 (1990), Art. 72; Regras Mínimas Padrão para o Tratamento de Prisioneiros, aprovadas pelas resoluções ECOSOC da ONU, No. 663 C (XXIV) (1957) e 2076 (LXII) (1977), Art. 55. Ver também o Comitê sobre os Direitos da Criança, 25ª. sessão, Violência do Estado Contra as Crianças, Doc. CRC/C/97 da ONU (22 de setembro de 2000), em Gabinete do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Comitê sobre os Direitos da Criança: Relatórios de Dias Gerais de Discussão (Genebra: Gabinete do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, n.d.), para. 688, recomendação 26, pág. 131; Penal Reform International, Quando as Normas Funcionam (Haia: Penal Reform International, 1995), pág. 161-65.

[112] Entrevista da Human Rights Watch pelo telefone com Simone Moreira de Souza, 8 de novembro de 2004; Arquivos da Comissão de Monitoramento do Sistema Sócio-Educativo do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDCA) do Estado do Rio de Janeiro, Processo N° E-25/00.973/2004.

[113] Ver Human Rights Watch, “Verdadeiras Masmorras” págs. 29-32.

[114] Arquivos da Comissão de Monitoramento do Sistema Sócio-Educativo do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDCA) do Estado do Rio de Janeiro, esforço de pesquisa anexado ao Ofício N° 188 da CEDCA, datado de 7 de outubro de 2004: Carta da 1ª Vara Criminal da Ilha do Governador, Ofício N° 5353/04, 10 de novembro de 2004; Carta da 2ª Vara Criminal da Ilha do Governador, Ofício N° 4453/04, 19 de outubro de 2004; Mensagem do Subsecretário de Estado da Infância e da Juventude Evandro Barbosa Steele ao Diretor do DEGASE, Sérgio Novo, datada de 25 de janeiro de 2005, parte do Processo N° E-25/1297/04 aberto em 20 de dezembro de 2004;  Entrevista da Human Rights Watch com Daniela Consídera, Núcleo de Direitos Humanos, Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 3 de maio de 2005; Centro Pela Justiça e Direito Internacional, “Resumo do caso 11.634 – Adolescentes internos do Rio de Janeiro,” n.d.;  Mensagem do Diretor do DEGASE, Sérgio Novo, ao Subsecretário de Estado da Infância e da Juventude Evandro Barbosa Steele, datada de 15 de fevereiro de 2005, parte do Processo N° E-25/1297/04 aberto em 20 de dezembro de  2004.  Quatro dos casos criminais julgados têm os seguintes números: 1994.207.001074-2, 2001.207.003833-7, 2001.201.006006-9 e 2001.201.006006-9/01.  Os casos 2002.207.004500-9, 2004.049.000299-4, 2004.049.000297-0 e o Processo N° E-25/00.973/2004 ainda esperam sua resolução.

[115] Ibid.  De acordo com o site de pesquisa do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (www.tj.rj.gov.br), em 3 de março de 2005, a prisão de Jurandir Rodrigues da Costa ainda não tinha sido efetuada (Processo 1994.207.001074-2, datado de 1994, com sentença proferida em 1999).

[116] Entrevista da Human Rights Watch com o Juiz Guaraci de Campos Vianna, Juiz Titular, 2ª Vara da Infância e da Juventude, Rio de Janeiro, 25 de maio de 2005.

[117] O sistema de justiça juvenil é um espelho do sistema de detenção adulta no que se refere à impunidade.  Ver Justiça Global, Direitos humanos no Brasil 2003: Relatório anual do Centro de Justiça Global (São Paulo: Justiça Global, 2004), pp. 17-18.

[118] Entrevista da Human Rights Watch com o Subsecretário de Estado Evandro Steele, Secretaria de Estado da Infância e da Juventude, Rio de Janeiro, 23 de maio de 2005.

[119]Ibid.

[120] Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 201(XI).

[121] Ibid., art. 201; entrevista da Human Rights Watch com Carla Leite, Eliane Pereira, e Renato Lisboa, promotores, 4º Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude, Rio de Janeiro, 31 de maio de 2005.

[122] Ibid., art. 201(V).

[123] Entrevista da Human Rights Watch com Marinete Laureano, diretora, Educandário Santos Dumont, 12 de maio de 2005.

[124] Entrevista da Human Rights Watch com Eufrásia Souza, defensora pública, Rio de Janeiro, 12 de maio de 2005.

[125] Ver Ministério Público, www.mj.rj.gov.br (exame em 29 de Maio de 2005).

[126] Entrevista da Human Rights Watch com Márcia Castro, 16 de maio de 2005.

[127] Entrevista da Human Rights Watch com Fabrício El-Jaick, defensor público, Rio de Janeiro, 23 de maio de 2005; Martins, “Adolescente morre em educandário,” Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 7 de novembro de 2002; “Adultos lideraram motim de menores,” Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 8 de novembro de 2002; “Causadores da rebelião em Bangu são transferidos para o Desipe,” O Dia (Rio de Janeiro),7 de novembro de 2002.

[128] Entrevista da Human Rights Watch com Fabrício El-Jaick, 23 de maio de 2005.

[129] Entrevista da Human Rights Watch com a Dra. Regiane Cristina Dias Pinto e a Dra. Clisange Ferreira Gonçalves, promotores públicos, 4° Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude, Rio de Janeiro, 31 de julho de 2003.

[130] Entrevista da Human Rights Watch pelo telefone com Dilséia Gomes, comissária, 2ª Vara da Infância e da Juventude, Rio de Janeiro, 30 de maio 2005.

[131] Entrevista da Human Rights Watch com o Juiz Guaraci de Campos Vianna, 25 de maio de 2005.

[132] Ibid.

[133] Entrevista da Human Rights Watch por telefone com Dilseia Gomes, comissária,  2ª Vara da Infância e da Juventude, Rio de Janeiro, 30 de maio de 2005.

[134] Entrevista da Human Rights Watch com Carla Leite, Eliane Pereira e Renato Lisboa, 31 de maio de 2005.

[135] Entrevista da Human Rights Watch com Marinete Laureano, 12 de maio de 2005.

[136] Entrevista da Human Rights Watch com Tiago J., ex-agente, maio de 2005.  O nome deste agente foi mudado em atenção ao seu pedido.

[137] Entrevista da Human Rights Watch com Simone Moreira de Souza, defensora pública, Rio de Janeiro, 23 de maio de 2005.

[138] Entrevista da Human Rights Watch com Eufrásia Souza, e12 de maio de 2005; entrevista da Human Rights Watch pelo telefone com Eufrásia Souza, 2 de junho de 2005.

[139] Entrevista da Human Rights Watch com Márcia Castro, 16 de maio de 2005.

[140] Entrevista da Human Rights Watch pelo telefone com Simone Moreira de Souza, 8 de novembro de 2004.

[141] Arquivos da Comissão de Monitoramento do Sistema Sócio-Educativo do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDCA) do Estado do Rio de Janeiro, um esforço de pesquisa anexado ao Ofício CEDCA N° 188, datado de 7 de outubro de 2004: Carta da 2ª Vara Criminal da Ilha do Governador, Ofício N° 4453/04, 19 de outubro de 2004; Processo N° 2002.207.004500-9.

[142] Entrevista da Human Rights Watch com Anderson Sanchez, porta-voz do Sindicato dos Servidores da Secretaria de Estado e Justiça do Rio de Janeiro, 2 de junho de 2005.

[143] Mesmo assim, como constatou a Human Rights Watch em seu relatório de dezembro de 2004, os visitantes são às vezes acossados pelos guardas. Alguns são submetidos a revistas extremamente intrusivas e humilhantes que podem não ser totalmente necessárias para garantir a segurança da unidade. Ver Human Rights Watch, "Verdadeiras Masmorras", pág. 48.

[144] Entrevista da Human Rights Watch com Silva R., Rio de Janeiro, 20 de maio de 2005.

[145] Entrevista da Human Rights Watch por telefone com Mônica Suzana, coordenadora do Moleque – Movimento de Mães pela Garantia dos Direitos dos Adolescentes no Sistema Sócio-Educativo, Rio de Janeiro, 1 de junho de 2005.

[146] Entrevista da Human Rights Watch com Rute Sales, coordenadora do Moleque – Movimento de Mães pela Garantia dos Direitos dos Adolescentes no Sistema Sócio-Educativo, Rio de Janeiro, 31 de maio de 2005.

[147] Entrevista da Human Rights Watch por telefone com Rute Sales, coordenadora do Moleque – Movimento de Mães pela Garantia dos Direitos dos Adolescentes no Sistema Sócio-Educativo, Rio de Janeiro, 3 de junho de 2005.

[148] Entrevista da Human Rights Watch pelo telefone com chefe de gabinete, DEGASE, 24 de maio de 2005.

[149] Entrevista da Human Rights Watch com José Maurício Gonçalves Costa, chefe de gabinete, Secretaria de Estado da Infância e da Juventude, Rio de Janeiro, 25 de maio de 2005.

[150] Entrevista da Human Rights Watch com o Juiz Guaraci de Campos Vianna, 25 de maio de 2005.

[151] Entrevista da Human Rights Watch com Carla Leite, Eliane Pereira, e Renato Lisboa, 31 de maio de 2005; Entrevista da Human Rights Watch pelo telefone com Sérgio Viveiros, comissário, 2a. Vara da Infância e da Juventude, 1o de junho de 2005.

[152] Entrevista da Human Rights Watch com Conceição Paganele, coordenadora da Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco (AMAR), São Paulo, 10 de dezembro de 2004.

[153] Constituição do Estado do Pará, art. 297.


<<precedente  |  índice  |  seguinte>>junho de 2005