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As Lições Necessárias da Polêmica sobre o X no Brasil

Publicado em: Tech Policy
Uma pessoa clica no aplicativo X em um smartphone, no Rio de Janeiro, Brasil, em 18 de setembro de 2024. © 2024 Mauro Pimentel/AFP via Getty Images


Elon Musk provocou um duelo com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que culminou no bloqueio do X no país.

Depois, Musk recuou. A rede social cumpriu as ordens judiciais que Musk havia veementemente rejeitado, e em 8 de outubro o ministro Moraes ordenou que o acesso ao X no Brasil fosse restabelecido.

Este caso serve como um alerta, ressaltando a necessidade de plataformas de redes sociais e autoridades fazerem muito mais para colocar os direitos humanos no centro de suas ações.

Contexto

O bloqueio do X foi originado por uma série de ordens judiciais que determinavam a suspensão de contas que estavam assediando e publicando fotos de um policial federal envolvido em investigações relatadas pelo ministro Alexandre de Moraes, bem como de sua família, incluindo uma criança. Uma das contas republicou uma foto do policial com o título “Procurado”. Outro usuário respondeu: “vivo ou morto?”

Em resposta à reiterada negativa do X em cumprir ou mesmo recorrer das decisões judiciais por três semanas, Moraes ordenou o bloqueio em 30 de agosto, e a primeira turma do STF confirmou sua decisão em 2 de setembro. A suspensão do X impactou negativamente os direitos de participação pública, liberdade de expressão e o acesso à informação para milhões de usuários no Brasil.

Os brasileiros não puderam participar das conversas globais que aconteciam no X, fossem elas sobre os impactos das queimadas devastadoras no Brasil e na América do Sul, as eleições nos EUA ou até mesmo o Emmy Awards. Perspectivas vindas do Brasil também ficaram de fora dos debates no X.

Não está claro se o ministro Alexandre de Moraes considerou se o bloqueio foi uma medida proporcional ou necessária, já que suas decisões que vieram a público não discutiam os direitos dos usuários.

A ordem de Moraes prejudicou os usuários de internet de outras maneiras. Inicialmente, ele proibiu o download de redes privadas virtuais (VPN), que permitem o acesso a conteúdo bloqueado e são amplamente utilizadas para aumentar a segurança e a privacidade digital. Posteriormente, ele revogou essa parte da decisão.

Moraes manteve em vigor uma multa de R$ 50.000,00 para qualquer pessoa que usasse VPN para acessar o X no Brasil, uma medida desproporcional que puniria pessoas que buscavam exercer seus direitos de participação pública, liberdade de expressão e acesso à informação. Por exemplo, um brasileiro que passou anos postando no X e construindo uma audiência na plataforma corria o risco de ser multado em 25 vezes o salário-mínimo se tentasse acessar o X usando VPN, mesmo que fosse apenas para recuperar suas próprias postagens ou outras publicações salvas anteriormente. A proibição do uso de VPN afetou particularmente jornalistas que utilizavam o X para suas reportagens.

O processo judicial sob análise

O ministro Moraes – nomeado ao tribunal pelo ex-presidente Michel Temer, está à frente de dois inquéritos sobre conteúdos nas redes sociais que ameaçam o sistema democrático e suas instituições.

Essa ameaça é real, como evidenciado em 8 de janeiro de 2023, quando uma multidão de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiu e depredou o STF, o Congresso e o Palácio do Planalto em Brasília, pedindo por um golpe militar.

Essa violência foi alimentada nas redes sociais.

Moraes ordenou que as plataformas de redes sociais suspendessem contas que postavam conteúdos que ele considerava que violavam a lei, mas também determinou que essas decisões fossem sigilosas. Em abril, um comitê do Congresso dos EUA intimou o X e publicou dezenas de ordens judiciais, que mostravam que Moraes havia ordenado a suspensão de cerca de 150 perfis de usuários nos últimos anos. Não se sabe quantas ordens ele emitiu para outras plataformas.

Além disso, nos casos que vieram à tona, em vez de remover postagens individuais, Moraes ordenou a suspensão de contas por prazo indeterminado, sem qualquer orientação sobre o que os proprietários das contas afetadas poderiam fazer para restaurá-las.

Musk criou uma situação insustentável

O ministro Moraes interveio, em parte, porque o X não tem moderado conteúdo ou aplicado suas políticas internas de forma adequada. Após Elon Musk assumir o controle do X, em outubro de 2022, ele demitiu quase toda a equipe responsável pela moderação de conteúdo e políticas públicas no Brasil. O X já foi um exemplo em publicação de relatórios de transparência, mas desde que Musk assumiu o controle, emitiu apenas em outubro um relatório sobre pedidos de remoção e a resposta do X em todo o mundo, cobrindo o primeiro semestre de 2024. Em comparação, o Twitter anteriormente publicou relatórios de transparência a cada seis meses entre 2012 e 2022.

A Human Rights Watch contatou o X no contexto de suas pesquisas sobre as políticas de moderação de conteúdo da plataforma, mas desde que Musk assumiu o controle, a empresa não tem respondido. Se Musk realmente se importasse com os direitos dos usuários, ele melhoraria a atuação do X em relação à moderação de conteúdo em todo o mundo, para que os direitos humanos de todos os usuários fossem respeitados em conformidade com o direito internacional de direitos humanos.

Portabilidade de dados, interoperabilidade e transparência são soluções necessárias

O impacto da decisão do STF também destaca uma lacuna regulatória mais ampla no que se refere às plataformas de redes sociais. Como atualmente funcionam como redes isoladas, estão sujeitas aos caprichos de suas lideranças. Uma maneira fundamental para que governos e plataformas mitiguem os riscos enfrentados pelos usuários devido à dependência de plataformas específicas seria exigir e permitir a portabilidade de dados e a interoperabilidade, o que permitiria aos usuários transferir suas postagens, seguidores e outros dados para outra plataforma ou se comunicar entre plataformas de redes sociais, se assim optarem, da mesma forma que fazem entre redes de telefonia e provedores de e-mail.

Enquanto isso, o STF deveria aumentar a transparência de suas decisões. Deveria considerar opções técnicas mais proporcionais para forçar a remoção de postagens que violam a lei, sem ordenar o bloqueio de toda uma plataforma.

As autoridades no Brasil e ao redor do mundo deveriam seguir a recomendação do relator especial da ONU sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão e “abster-se de impor sanções desproporcionais, sejam grandes multas ou prisão, aos intermediários da internet, dado seu significativo efeito inibidor sobre a liberdade de expressão”, conforme ele afirmou em um relatório de 2018 ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Um alerta

Por fim, o X suspendeu as contas em questão, nomeou um representante legal no Brasil e pagou multas substanciais. A imprensa brasileira relatou que Musk parece ter recuado devido ao impacto das decisões de Moraes sobre a Starlink, um provedor de internet de propriedade integral da SpaceX, empresa na qual Musk detém participação e direito de voto majoritários. Moraes congelou as contas brasileiras da Starlink por mais de duas semanas e a tornou responsável pelas multas impostas ao X.

Esse caso deveria servir como um alerta sobre a necessidade de colocar os direitos de usuários no centro de regulamentação, de políticas públicas e da justiça. A proteção de direitos não pode depender dos caprichos de corporações e dos excessos de  autoridades.

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