Começou esta semana em Angola um julgamento que poderá finalmente esclarecer os acontecimentos sangrentos de 16 de Abril de 2015, dia em que uma operação da polícia levada a cabo contra uma seita apocalíptica culminou em várias mortes. O governo afirma que morreram nove agentes da polícia e 13 membros armados da seita Luz do Mundo, mas poucos acreditam na versão oficial. Grupos da oposição e activistas locais dizem que o número de mortes de fiéis desarmados da seita no Monte Sumi, na província do Huambo, foi significativamente maior, alegando que se tratou de um massacre.
Julino Kalupeteka, líder da seita, e 10 dos seus fiéis enfrentam acusações de homicídio e tentativa de homicídio de agentes da polícia, desobediência civil, resistência à prisão e posse ilegal de armas de fogo. O julgamento será a primeira oportunidade de contarem a sua versão dos factos.
É evidente que a morte indiscutível de nove agentes da polícia requer justiça e que as autoridades devem certificar-se de que o tribunal é capaz de conduzir o julgamento de forma independente, imparcial e competente. No entanto, as testemunhas do governo presentes no julgamento também devem ser transparentes quanto à conduta da polícia e dar resposta às acusações de que dezenas de pessoas desarmadas, incluindo mulheres e crianças, podem ter sido assassinadas a tiro.
O conflito eclodiu quando a polícia procurou levar Kalupeteka para interrogatório com base em alegações de incentivo à desobediência civil de cerca de 2000 dos seus fiéis. Kalupeteka liderava uma facção dissidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia que acreditava que o mundo iria acabar em 2015 e havia encorajado os fiéis a abandonar as respectivas vidas e a retirar-se para um campo isolado.
As autoridades angolanas afirmam terem sido atacadas pelos guarda-costas de Kalupeteka com armas de fogo e catanas quando tentaram levar a cabo a sua detenção e que, em resposta a esta situação, os agentes da polícia assassinaram 13 dos guardas do líder. Grupos da oposição e activistas afirmam que após o confronto inicial, que resultou na morte de vários agentes, foram chamados reforços para «vingar» as mortes, que empregaram força excessiva e letal contra centenas de fiéis desarmados da seita, matando um elevado número dos mesmos no processo.
O governo nega que tenham morrido dezenas de pessoas, mas recusou os pedidos de grupos locais de direitos humanos, deputados da oposição do Parlamento e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos para a abertura de uma investigação independente.
Imediatamente após o incidente, as forças de segurança isolaram a área, declarando-a uma zona militar. Os activistas dizem que os soldados enterraram um elevado número de cadáveres em valas comuns e vários familiares de membros da seita declararam que ainda não foram capazes de enterrar os seus entes queridos. Somente duas semanas após o incidente foi concedido acesso ao local a um pequeno grupo de deputados e jornalistas, a quem foi feita uma visita orquestrada e vigiada de perto.
O julgamento de Kalupeteka sublinha a necessidade de justiça, tanto para as famílias dos agentes assassinados como para as famílias dos membros da seita que morreram. O julgamento deverá apresentar as investigações internas do próprio governo sobre os acontecimentos que, de uma forma ou outra, deveriam ser tornadas públicas pelo governo. Afinal, se nada há a esconder, por que razão deverão os relatórios manter-se confidenciais? E por que não permite o governo uma investigação independente ao que aconteceu?