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Começou esta semana em Angola um julgamento que poderá finalmente esclarecer os acontecimentos sangrentos de 16 de Abril de 2015, dia em que uma operação da polícia levada a cabo contra uma seita apocalíptica culminou em várias mortes. O governo afirma que morreram nove agentes da polícia e 13 membros armados da seita Luz do Mundo, mas poucos acreditam na versão oficial. Grupos da oposição e activistas locais dizem que o número de mortes de fiéis desarmados da seita no Monte Sumi, na província do Huambo, foi significativamente maior, alegando que se tratou de um massacre.

Cabanas destruídas em Monte Suni, Angola, numa fotografia tirada em 3 de Maio de 2015. © 2015 Reuters

Julino Kalupeteka, líder da seita, e 10 dos seus fiéis enfrentam acusações de homicídio e tentativa de homicídio de agentes da polícia, desobediência civil, resistência à prisão e posse ilegal de armas de fogo. O julgamento será a primeira oportunidade de contarem a sua versão dos factos.

É evidente que a morte indiscutível de nove agentes da polícia requer justiça e que as autoridades devem certificar-se de que o tribunal é capaz de conduzir o julgamento de forma independente, imparcial e competente. No entanto, as testemunhas do governo presentes no julgamento também devem ser transparentes quanto à conduta da polícia e dar resposta às acusações de que dezenas de pessoas desarmadas, incluindo mulheres e crianças, podem ter sido assassinadas a tiro.

O conflito eclodiu quando a polícia procurou levar Kalupeteka para interrogatório com base em alegações de incentivo à desobediência civil de cerca de 2000 dos seus fiéis. Kalupeteka liderava uma facção dissidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia que acreditava que o mundo iria acabar em 2015 e havia encorajado os fiéis a abandonar as respectivas vidas e a retirar-se para um campo isolado.

As autoridades angolanas afirmam terem sido atacadas pelos guarda-costas de Kalupeteka com armas de fogo e catanas quando tentaram levar a cabo a sua detenção e que, em resposta a esta situação, os agentes da polícia assassinaram 13 dos guardas do líder. Grupos da oposição e activistas afirmam que após o confronto inicial, que resultou na morte de vários agentes, foram chamados reforços para «vingar» as mortes, que empregaram força excessiva e letal contra centenas de fiéis desarmados da seita, matando um elevado número dos mesmos no processo.

O governo nega que tenham morrido dezenas de pessoas, mas recusou os pedidos de grupos locais de direitos humanos, deputados da oposição do Parlamento e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos para a abertura de uma investigação independente.

Imediatamente após o incidente, as forças de segurança isolaram a área, declarando-a uma zona militar. Os activistas dizem que os soldados enterraram um elevado número de cadáveres em valas comuns e vários familiares de membros da seita declararam que ainda não foram capazes de enterrar os seus entes queridos. Somente duas semanas após o incidente foi concedido acesso ao local a um pequeno grupo de deputados e jornalistas, a quem foi feita uma visita orquestrada e vigiada de perto.

O julgamento de Kalupeteka sublinha a necessidade de justiça, tanto para as famílias dos agentes assassinados como para as famílias dos membros da seita que morreram. O julgamento deverá apresentar as investigações internas do próprio governo sobre os acontecimentos que, de uma forma ou outra, deveriam ser tornadas públicas pelo governo. Afinal, se nada há a esconder, por que razão deverão os relatórios manter-se confidenciais? E por que não permite o governo uma investigação independente ao que aconteceu?

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