(Paris) - “A França fracassou em tomar medidas necessárias para prevenir e sancionar a discriminação étnico racial realizadas pela polícia durante abordagens para verificação de identidade, uma forma de discriminação sistêmica”, declararam hoje seis organizações francesas e internacionais de defesa de direitos humanos ao apresentarem uma ação coletiva contra o Estado francês.
Antoine Lyon-Caen, advogado perante o Conselho de Estado e a Corte de Cassação francesas, levou o caso ao Conselho de Estado, o mais alto tribunal administrativo da França, em nome da Maison Communautaire pour un Dévelopement Solidaire (Casa Comunitária para o Desenvolvimento Solidário - MCDS), Pazapas, Réseau Égalité, Antidiscrimination, Justice Interdisciplinaire (Rede Igualdade, Antidiscriminação, Justiça Interdisciplinar - Reaji), Anistia Internacional na França, Human Rights Watch e Open Society Justice Initiative.
As organizações iniciaram a ação em janeiro de 2021, quando enviaram uma notificação ao primeiro-ministro, ao ministro de interior e ao ministro da justiça solicitando reformas estruturais e medidas concretas para cessar as práticas policiais discriminatórias, um problema que foi reconhecido pelo presidente da República francesa. As autoridades não responderam a carta no período de quatro meses previsto pela lei. Esse silêncio é particularmente doloroso para as vítimas diárias dessas práticas discriminatórias, lamentaram as organizações.
A ação coletiva é um procedimento inovador na lei francesa. Permite a grupos da sociedade civil solicitar ao tribunal que ordene às autoridades responsáveis a tomem medidas necessárias para impedir práticas ilegais generalizada de discriminação étnico racial.
As organizações estão solicitando ao Conselho de Estado que reconheça a culpa do Estado francês por não ter prevenido as práticas de discriminação étnico racial pela polícia e que ordene às autoridades a adotarem reformas necessárias, incluindo:
- Reformular os poderes da polícia em abordagens de verificação de identidade, a fim de proibir explicitamente a discriminação neste procedimento, abolir verificações preventivas de identidade e regular rigorosamente o poder policial dentro dos controles judiciários a fim de garantir que as verificações de identidade tenham critérios objetivos e individualizados;
- Adotar medidas e regulações específicas para interromper a abordagem de crianças e adolescentes;
- Criar um sistema que permita registrar e avaliar os dados nas verificações de identidade e fornecer uma justificativa e registro do controle aos indivíduos abordados
- Criar um mecanismo de denúncia de abusos independente e eficaz; e
- Modificar os objetivos institucionais, as diretrizes e o treinamento da polícia, inclusive no que diz respeito às interações com o público.
A ação judicial histórica surge após anos de omissão das autoridades francesas, que permitiram que essas práticas ilegais afetassem um número significativo de pessoas na França. O caso tem por fundamento numerosas evidências de que a polícia realiza abordagens com base em características étnico-raciais, prática de associação de características físicas, reais ou não, à determinada origem étnica ou racial.
A ausência de uma base jurídica que respeite os padrões legais de não discriminação permite que a polícia use poderes excessivamente amplos para realizar verificações de identidade de maneira discriminatória. Estudos quantitativos demonstraram que homens e meninos vistos como negros ou árabes são desproporcionalmente abordados para verificação e revistas, enquanto relatórios qualitativos documentaram o impacto devastador do policiamento discriminatório, incluindo crianças a partir dos 12 anos.
O requerimento apresentado em 22 de julho demonstra como a caracterização étnica pela polícia francesa constitui uma discriminação sistêmica – definida pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas como “leis, políticas, práticas ou atitudes culturais predominantes no setor público ... que cria desvantagens relativas para alguns grupos e privilégios para outros grupos” – e detalha a resposta até então inadequada do Estado francês para pôr fim a isso.
As medidas adotadas que se mostraram insuficientes incluem o uso de câmeras corporais e a obrigatoriedade dos policiais de usarem números de identificação. As autoridades negaram sistematicamente todas as tentativas que visavam instalar um dispositivo de registro de verificação de identidades e de fornecimento desses dados aos abordados.
Em 28 de junho, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos destacou a França pelas abordagens policiais discriminatórias no relatório sobre a “Promoção e proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais dos africanos e afrodescendentes contra o uso excessivo da força e outras violações de direitos humanos por agentes da lei”. No passado, outras autoridades da ONU e da Europa pediram às autoridades francesas que acabassem com as verificações discriminatórias.
Em 8 de junho, a Corte de Apelações de Paris mais uma vez condenou o Estado francês por “má conduta grave” pela abordagem discriminatória de três estudantes em uma estação de trem de Paris em 2017 quando eles voltavam de uma excursão escolar.
O Defensor Público enfatizou sua crítica às verificações de identidade discriminatórias e exigiu uma reforma. Em 2016, a Corte de Cassação decidiu que as detenções feita pela polícia de três jovens em 2011 constituíam discriminação e “graves erros que implicam a responsabilidade do Estado”.
O Conselho de Estado tem autoridade para ordenar ao estado que acabe essas práticas estigmatizantes, humilhantes e degradantes, afirmaram as organizações.