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Brasil: Promotores deveriam liderar investigações sobre mortes pela polícia

O Conselho Nacional do Ministério Público deveria garantir que novas diretrizes reflitam os padrões internacionais

Pessoas protestam contra a violência policial e o racismo estrutural no Rio de Janeiro, em 31 de maio de 2021. © 2021 AP Photo/Silvia Izquierdo

O Brasil deveria enfrentar urgentemente o problema crônico de abusos policiais e impunidade, garantindo que o Ministério Público conduza investigações e que essas cumpram os padrões internacionais, disse hoje a Human Rights Watch em uma carta ao Procurador-geral da República, Augusto Aras.

A polícia matou mais de 6.400 pessoas em 2022, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, organização que compila dados oficiais dos estados. Em menos de um mês, entre o final de julho e agosto de 2023, ao menos 62 pessoas foram mortas durante operações policiais somente na Bahia, no Rio e em São Paulo.

“As operações letais das forças policiais no último mês destacam a necessidade urgente de melhorar as investigações sobre a conduta da polícia”, disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil. “Promotores deveriam garantir um efetivo controle externo da atividade policial, liderando investigações sobre mortes e casos de abusos pela polícia, em vez de confiar na polícia para investigar seus próprios membros”.

Embora algumas mortes decorrentes de ação policial ocorram em legítima defesa, muitas resultam do uso ilegal da força que permanece em grande parte impune. Atualmente, a polícia civil realiza investigações sobre abusos policiais. Isso levanta sérias questões de imparcialidade, uma vez que a polícia civil investiga seu próprio efetivo, bem como policiais militares com quem possa ter trabalhado em outros casos.

Em 2017, a Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou que o Brasil delegue as investigações de mortes, tortura ou violência sexual decorrentes de ação policial “a um órgão independente e diferente da força pública envolvida no incidente”. Em 2021, a Corte afirmou que tanto o Estado brasileiro quanto os representantes das vítimas concordaram que o Ministério Público é o órgão independente que deveria estar encarregado de investigar mortes e outros abusos cometidos por policiais no Brasil. O Brasil tem a obrigação de cumprir as decisões da Corte.

No dia 10 de março, o Conselho Nacional do Ministério Público, que supervisiona o trabalho de promotores em todo o país, instituiu um grupo de trabalho para elaborar uma resolução para disciplinar as investigações do Ministério Público nos casos de mortes, torturas e violências sexuais no contexto de intervenções policiais. A resolução deveria deixar claro que os promotores não só têm autoridade, mas a obrigação de conduzir as suas próprias investigações sobre todos os casos de abuso policial, disse a Human Rights Watch.

A Human Rights Watch documentou vários casos em que policiais intimidaram testemunhas, ou manipularam e destruíram provas, inclusive casos em que levaram cadáveres para hospitais alegando falsamente que as vítimas estariam vivas e casos em que removeram suas roupas; bem como casos em que a polícia civil não conduziu investigações adequadas sobre mortes decorrentes de ação policial, por exemplo não visitando a cena do crime.

A nova resolução deveria exigir diligências robustas para a condução das investigações, disse a Human Rights Watch. Promotores muitas vezes não têm cumprido a sua obrigação de garantir que as polícias civil e militar cumpram a lei e que as investigações sobre abusos sejam céleres, completas e independentes.

É crucial que as investigações observem os padrões internacionais, em particular o Manual da ONU sobre a Prevenção Eficaz e Investigação de Execuções Extrajudiciais, Arbitrárias e Sumárias, conhecido como Protocolo de Minnesota. O protocolo fornece diretrizes detalhadas para garantir que as investigações incluam fotografias adequadas, descrições de ferimentos externos e sua trajetória, exame residuográfico, entre outros passos necessários.

A resolução também deveria incluir medidas que os procuradores-gerais de justiça nos estados deveriam adotar, como contratar peritos forenses independentes da polícia civil em tempo integral, bem como estabelecer unidades especializadas de promotores, com recursos suficientes, dedicada a desenvolver e fazer cumprir protocolos policiais para prevenir abusos e conduzir as investigações e apresentar denúncias quando esses abusos ocorrerem. Os procuradores-gerais de justiça também deveriam estabelecer um sistema de plantão para que promotores e peritos forenses respondam em tempo real às denúncias de má conduta policial, permitindo que intervenham imediatamente e evitem mais abusos durante operações policiais em andamento.

A resolução também deveria instruir os promotores a coletar depoimentos de vítimas, familiares e testemunhas, algumas das quais podem temer retaliações se prestarem depoimentos a investigadores da polícia. A resolução também deveria permitir que vítimas e familiares obtenham informações relevantes sobre as investigações, dentro dos limites da lei, e exigir que em cada estado se crie mecanismos acessíveis para receber denúncias de má conduta policial, inclusive de forma anônima.

A Human Rights Watch tem documentado como os abusos policiais têm um grande impacto não somente sobre as vítimas e suas famílias, mas também sobre a própria força policial. Promotores deveriam trabalhar com as forças policiais para avaliar as condições de trabalho e lidar com os altos níveis de estresse; promover o uso de câmeras nos uniformes para ajudar a proteger outros policiais da pressão de colegas e de acusações falsas; bem como endereçar o racismo sistêmico no contexto da aplicação da lei.

Deveriam também revisar os protocolos das polícias estaduais e trabalhar com o comando e os secretários de segurança pública para estabelecer diretrizes que previnam operações de vingança após a morte de um policial.

Após o grupo de trabalho finalizar a proposta de resolução, esta será remetida aos ministérios públicos para manifestação. O Conselho Nacional do Ministério Público precisará aprovar ou rejeitar o texto final. Nesse meio-tempo, o Conselho pode ter um novo presidente, pois o mandato do atual Procurador-geral da República termina em 26 de setembro. O Presidente Luíz Inácio Lula da Silva terá que nomear um novo Procurador-geral ou reconduzir o atual. O Senado brasileiro precisa aprovar a indicação.

“O Ministério Público tem um papel fundamental a desempenhar para quebrar o ciclo de violência e impunidade, garantindo um controle externo efetivo da polícia e investigações independentes sobre abusos”, disse Canineu. “Para que isso aconteça, quem quer que seja nomeado Procurador-geral da República deve não somente promover a adoção de uma resolução forte, mas garantir que os procuradores-gerais de justiça e os promotores a implementem adequadamente.”

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