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Submissão da Human Rights Watch ao Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas Revisão do Brasil

98º Grupo de Trabalho Pré-Sessional

Escrevemos em virtude da 98ª pré-sessão do Comitê dos Direitos da Criança e sua revisão do Brasil. Esta submissão foca no acesso a serviços de aborto; no direito à educação, incluindo educação integral em sexualidade, sistemas de educação on-line endossados por governo e defesa da educação de ataques; nos direitos das crianças com deficiência; e no tratamento de crianças em conflito com a lei.

Acesso a serviços de aborto (artigos 6 e 24)

O aborto no Brasil é criminalizado, exceto em casos de estupro, risco de vida para a gestante e, desde  uma decisão do Supremo Tribunal Federal de 2012, em casos de anencefalia[1].  Pessoas que queriam ter acesso ao aborto legal precisariam da aprovação de um médico e de uma equipe multidisciplinar. Meninas, mulheres e gestantes que acessam serviços de aborto por outros meios podem ser condenadas a até três anos de prisão. Pessoas condenadas por realizar abortos ilegais podem enfrentar até quatro anos de prisão.[2]

O acesso limitado ao aborto afeta desproporcionalmente o bem-estar de meninas adolescentes. Pesquisas da Organização Pan-Americana da Saúde revelam que as complicações decorrentes da gravidez e do parto são a segunda principal causa de morte em todo o mundo entre meninas de 15 a 19 anos[3].  O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) ressalta que a gravidez impõe riscos físicos, emocionais e socioeconômicos significativos às meninas, sendo que a gravidade desses riscos aumenta com o aumento das barreiras legais, sociais e econômicas ao acesso ao aborto.[4]

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram registrados 74.930 casos de estupro em 2022, nos quais mais de 60% das sobreviventes tinham menos de 14 anos de idade.[5] E ainda que, as sobreviventes de estupro que engravidam tivessem direito ao aborto legal, o acesso a ele pode ser quase impossível. De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil, houve 14.265 nascimentos de gestantes com 14 anos ou menos em 2022.[6]

Em 2015, o Comitê dos Direitos da Criança expressou preocupação com as altas taxas de gravidez no Brasil, especialmente entre meninas de 10 a 14 anos que estão em situações de vulnerabilidade socioeconômica. O Comitê também solicitou que o Brasil descriminalizasse o aborto “em todas as circunstâncias” para garantir o acesso a práticas de aborto seguro e atendimento pós-aborto.[7]

Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal iniciou a fase de julgamento de uma ação judicial sobre a descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação.[8]  A então presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, que estava se aposentando, votou a favor da descriminalização. Entretanto, a audiência foi prontamente encerrada após seu voto, adiando a discussão para uma data não especificada. Esse atraso contínuo tem impedido esforços para alinhar a legislação brasileira às normas internacionais de direitos humanos, prejudicando o direito de meninas de acessar serviços de aborto legal e seguro.

A Human Rights Watch recomenda que o Comitê pergunte ao governo do Brasil:

  • Que medidas o governo tem tomado para reduzir a morbidade e a mortalidade devido ao aborto inseguro?
  • Que medidas o governo tem tomado para combater o estigma em torno do aborto?

A Human Rights Watch recomenda que o Comitê inste o governo brasileiro a:

  • Descriminalizar o aborto e garantir que ele seja seguro, legal e acessível para meninas e adolescentes grávidas.
  • Assegurar o acesso à assistência pós-aborto sem discriminação, maus-tratos ou medo de ser processado, inclusive em casos de aborto autoadministrado.
  • Fornecer  educação integral em sexualidade em todas as escolas, inclusive com foco na desestigmatização do aborto.

Direito à educação (artigos 2, 3, 16, 17, 24, 28 e 29)

Educação Integral em Sexualidade

Legisladores e outros funcionários públicos nos níveis federal, estadual e municipal no Brasil têm usado táticas legais e políticas nocivas para enfraquecer e até mesmo proibir a educação sobre gênero e sexualidade. A Human Rights Watch analisou 217 projetos de lei apresentados e leis aprovadas entre 2014  destinados a proibir explicitamente o ensino ou a divulgação de conteúdo sobre gênero e sexualidade, ou banir a chamada “ideologia de gênero” ou “doutrinação”, nas escolas municipais e estaduais.[9]  Nós também documentamos um esforço político para desacreditar e restringir a educação sobre gênero e sexualidade, reforçado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que pessoalmente amplificou essa mensagem para obter efeito político. Embora o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha mudado esse rumo, tais esforços políticos ainda ocorrem no legislativo federal, bem como nos níveis estadual e municipal.[10]

A Human Rights Watch entrevistou 56 professores de escolas públicas, especialistas em educação, representantes de secretarias estaduais de educação e organizações da sociedade civil. Entrevistas com 32 professores de escolas públicas de 8 estados do Brasil revelaram que eles hesitavam ou tinham medo de abordar gênero e sexualidade em sala de aula devido aos esforços legais e políticos para desacreditar esse material. Os professores disseram que foram perseguidos por abordar gênero e sexualidade, inclusive por autoridades eleitas e membros da comunidade. Alguns professores enfrentaram processos administrativos por abordar esse tipo de material, enquanto outros foram intimados a prestar depoimentos à polícia e a outras autoridades.

Em 2018 e em 2022, 80 organizações de educação e de direitos humanos publicaram e atualizaram um manual para proteger professores contra a censura em sala de aula.[11]

A Human Rights Watch recomenda que o Comitê pergunte ao governo do Brasil:

  • Quais medidas o governo tem tomado para garantir que administradores escolares, professores e outros funcionários da escola compreendam e se sintam apoiados no ensino e na realização de atividades destinadas a expandir o conhecimento sobre educação integral em sexualidade (EIS)?
  • Quais medidas o governo tem tomado para compilar e avaliar dados sobre professores e outros funcionários da educação que sofrem assédio por abordar a educação integral em sexualidade em sala de aula?

A Human Rights Watch recomenda que o Comitê inste o governo brasileiro a:

  • Continar a promover a EIS adequada à idade, inclusive por meio da expansão de programas como o Programa Saúde na Escola (PSE), de modo que todas as crianças no Brasil tenham acesso à EIS. Essas políticas devem abordar explicitamente práticas seguras e informadas no que diz respeito ao desenvolvimento sexual, relacionamentos e sexo seguro; aumentar a conscientização para prevenir a intolerância, a violência baseada em gênero, a desigualdade de gênero, as infecções sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada; e afirmar a diversidade sexual e de gênero. Essas políticas devem ser desenvolvidas em consulta com especialistas em educação e jovens.
  • Exortar os legisladores federais e estaduais, membros do conselho municipal e funcionários públicos a pararem de politizar a educação de gênero e sexualidade, inclusive revogando ou retirando quaisquer leis ou projetos de lei pendentes que visem a proibir a “ideologia de gênero”, censurar os termos “gênero” ou “orientação sexual” ou, de outra forma, infringir o direito de alunos à educação sexual abrangente.
  • Compilar e avaliar dados sobre professores que enfrentam assédio por ensinar EIS, inclusive aqueles que enfrentam alegações espúrias de “doutrinação”, promoção de “ideologia de gênero” ou discussão de gênero, identidade de gênero ou orientação sexual nas escolas. Essa compilação poderia ser feita, em parte, por meio do canal de denúncia “Disque 100”, que poderia ajudar a avaliar o número de denúncias apresentadas, acusações feitas, a matéria que o professor estava ensinando, a idade dos alunos e outras informações contextuais sobre o incidente.

Sistemas de educação on-line endossado por governo estaduais

Em abril de 2023, a Human Rights Watch descobriu que sites educacionais direcionados a estudantes brasileiros, incluindo dois criados por secretarias estaduais de educação, de São Paulo e Minas Gerais, vigiavam crianças on-line e coletavam seus dados pessoais.[12]  Sete sites educacionais extraíram e enviaram dados de crianças e adolescentes para empresas terceirizadas, usando tecnologias de rastreamento projetadas para publicidade.[13]

As secretarias de educação de Minas Gerais e São Paulo originalmente autorizaram esses sites para uso das crianças e adolescentes durante o fechamento das escolas devido à Covid-19, sem ter verificado se eles eram seguros para uso por crianças e adolescentes. Durante esse período, era impossível para muitos estudantes optassem por não participar dessa vigilância sem desistir completamente do aprendizado formal. Após a reabertura das escolas, a disseminação desses sites pelo governo abriu caminho para seu uso contínuo por estudantes e escolas até hoje.

A Human Rights Watch descobriu que cinco sites empregavam técnicas de rastreamento particularmente intrusivas para vigiar invisivelmente crianças e adolescentes de maneiras impossíveis de serem evitadas ou prevenidas. Uma dessas técnicas é a gravação de sessão, que permite que terceiros observem e gravem secretamente o comportamento de um usuário em uma página da Web, ou o equivalente digital do registro de vigilância por vídeo cada vez que uma criança coça o nariz ou pega o lápis na sala de aula. Normalmente, o terceiro examinaria os dados em nome do site para adivinhar a personalidade do usuário, suas preferências e o que ele provavelmente fará em seguida.

De 2021 a 2023, sites educacionais pertencentes e operados pelas secretarias de educação de Minas Gerais e São Paulo enviaram dados pessoais de crianças para empresas de tecnologia de publicidade.

Sete sites coletaram grandes quantidades de dados de crianças e adolescentes e os enviaram a empresas especializadas em publicidade comportamental, o que implica analisar os dados de uma criança ou adolescentes para prever o que ele poderá fazer em seguida ou como poderá ser influenciada. Os anunciantes podem usar esses insights para atingir a crianças e adolescentes com conteúdo personalizado e anúncios que a seguem na Internet. Quatro desses sites rastreavam as crianças e adolescentes com mais intensidade do que a média dos adultos que navegam na Internet.

A criação de perfis, o direcionamento e a publicidade para crianças e adolescentes nestes moldes violam de forma inadmissível sua privacidade pois não alçies proporcionais ou necessárias para que esses sites funcionem ou forneçam conteúdo educacionalEstas ações também podem violar outros direitos de crianças e adolescentes se essas informações forem usadas para orientá-las em direção a consequências prejudiciais ou contrárias aos seus interesses.

Em resposta à investigação, a Secretaria de Educação de Minas Gerais removeu todo o rastreamento de anúncios de seu site. Pelo menos duas empresas tomaram medidas para proteger as crianças e adolescentes de sua vigilância de dados.[14]  Esses avanços são bem-vindoas e demonstram que provedores on-line podem oferecer serviços educacionais às crianças de forma que não comprometam seus dados e sua privacidade.

No entanto, as crianças brasileiras não deveriam enfrentar variações de proteção de estado para estado e não podem depender de provedores individuais para fazer melhor. NoA lei de proteção de dados do Brasil,Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, não oferece proteções suficientes para as crianças e adolescentes. Ela não proíbe explicitamente que atores explorem informações de crianças e adolescentes ou exige que forneçam alto nível de segurança e proteção

A Human Rights Watch recomenda que o Comitê inste o governo brasileiro a:

  • Exigir que as empresas EdTech identificadas na investigação da Human Rights Watch identifiquem e excluam imediatamente todos os dados de crianças e adolescentes coletados durante ou desde a pandemia, para impedir o processamento posterior desses dados para fins comerciais ou outros fins não relacionados ao fornecimento de educação.
  • Solicitar à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) que considere medidas proativas e realistas para proteger a privacidade de dados de crianças e adolescentes, tomando medidas para identificar instâncias específicas de processamento de dados que nunca são do interesse da criança.
  • Garantir que os sites de educação coletem e processem apenas os dados estritamente necessários para oferecer educação. O Brasil tem jurisprudência estabelecida e decisões do Supremo Tribunal Federal que protegem os direitos das crianças em ambientes educacionais, que a ANPD pode aproveitar para a educação on-line.
  • Alterar a Lei Geral de Proteção de Dados para estabelecer regras abrangentes de proteção de dados de crianças e adolescentes, incluindo a proibição de publicidade comportamental e o uso de técnicas de rastreamento intrusivas em crianças e adolescentes. Essas regras também devem exigir que todos os atores que ofereçam serviços on-line para crianças e adolescentes, incluindo o ensino on-line, forneçam os mais altos níveis de proteção para os dados de crianças e adolescentes e sua privacidade.

Proteção da educação contra ataques

A Declaração Escolas Seguras[15]é um compromisso político intergovernamental que oferece aos países a oportunidade de expressar apoio político à proteção de estudantes, professores e escolas durante períodos de conflito armado; a importância da continuidade da educação durante conflitos armados; e a implementação das Diretrizes para a Proteção de Escolas e Universidades contra o Uso Militar durante Conflitos Armados.[16] O Brasil endossou a declaração em maio de 2015.[17]

A Human Rights Watch recomenda que o Comitê:

  • Pergunte ao governo do Brasil se proteções explícitas para as escolas contra o uso militar estão incluídas em leis, políticas ou treinamentos brasileiros, incluindo o treinamento pré-deslocamento de tropas de manutenção da paz.
  • Parabenize o Brasil por endossar a Declaração Escolas Seguras; e recomende que o governo incorpore os compromissos da declaração em políticas domésticas, estruturas operacionais militares, legislação e treinamentos pré-desdobramento, e incentive outros governos da região a endossar a declaração.

Apoio ao fortalecimento do direito à educação pré-primária e secundária gratuita

Em junho de 2023, o Brasil aderiu a uma declaração conjunta[18]co-liderada por Luxemburgo e pela República Dominicana e entregue durante o diálogo interativo com o Relator Especial sobre o direito à educação no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Juntamente com outros 70 países, a declaração expressou apoio aos “esforços para fortalecer o direito à educação, incluindo o direito explícito a educação secundaria gratutita  e pelo menos um ano de educação pré-primária gratuita”

O Brasil também convidou separadamente “todos os Estados a considerarem um novo instrumento jurídico internacional para reconhecer formalmente o direito de toda criança a pelo menos um ano de educação pré-primária e à educação secundária pública, gratuita, inclusiva e de qualidade”.

A Human Rights Watch incentiva o Comitê a:

  • Acolher o espírito de cooperação internacional do Brasil em apoio ao fortalecimento do direito à educação, incluindo um direito explícito à educação secundária integral e gratuita para todas as crianças e pelo menos um ano de educação pré-primária gratuita.
  • Incentivar o Brasil a compartilhar com outros países, em nível global, as boas práticas da legislação nacional que prevê educação pré-primária e secundária gratuita.

Direitos das crianças e adolescentes  com deficiência (artigos 2, 18, 19, 20, 23 e 26)

Milhares de crianças e adolescentes, de ambos os gêneros, com diferentes tipos de deficiências ainda são institucionalizados, às vezes por toda a vida, em instituições residenciais de diferentes tipos, inclusive orfanatos. Os funcionários às vezes amarram as crianças e adolescentes em cadeiras ou camas.[19]  O governo brasileiro não oferece apoio suficiente para que as famílias criem crianças com deficiências em casa, o que resulta em uma dependência da institucionalização.[20]  A legislação brasileira estabelece que somente em situações excepcionais e pelo menor tempo possível uma criança ou um adolescente pode ser enviado a uma instituição.[21]  Pesquisas realizadas pela Human Rights Watch constataram que algumas crianças e adolescentes passam a vida inteira em instituições devido à falta de políticas alternativas.  Os programas de famílias acolhedoras que existem em algumas regiões do Brasil não foram projetados para incluir crianças ou adolescentes com deficiência, o que muitas vezes os excluem e os deixam sem a opção de acessar essa forma alternativa de cuidado.

Da mesma forma, o direito à educação das crianças e adolescentes que vivem em instituições é comprometido devido à falta de uma política robusta para sua inclusão. Muitas vezes, a educação de crianças e adolescentes com deficiência depende das crenças dos funcionários que administram essas instituições, de modo que, com base em considerações sobre a “gravidade da deficiência”, elas são excluídas de qualquer programa educacional. Isso é especialmente preocupante no caso de indivíduos que têm grandes necessidades de apoio, como crianças surdas, surdas-cegas ou com autismo.

A Human Rights Watch recomenda que o Comitê inste o governo brasileiro a:

  • Iniciar um plano programático para a desinstitucionalização de crianças e adolescentes para que progressivamente todos tenham a possibilidade de viver na comunidade sob as mesmas condições que outras crianças e adolescentes.
  • Estabelecer políticas em nível nacional e estadual para fortalecer programas alternativos para a criação de meninas, meninos e adolescentes, especificamente aqueles em famílias adotivas, para incluir crianças e adolescentes com deficiências.
  • Enquanto o plano de desinstitucionalização estiver sendo implementado, estabelecer programas de emergência para garantir que as crianças e adolescentes que vivem em instituições tenham acesso a um sistema de educação inclusiva de alta qualidade.

Crianças em conflito com a lei (artigo 37)

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é a lei nacional de justiça aplicável a crianças e adolescentes no Brasil[22]. De acordo com o ECA, adolescentes são os jovens com idade entre doze e dezessete anos, e eles devem ser processados de acordo com ECA, embora os adolescentes possam ser mantidos em centros de detenção juvenil até a idade de vinte e um anos.[23]  Crianças com menos de doze anos não são responsáveis criminalmente.

Os adolescentes podem ser condenados a qualquer uma das seis “medidas socioeducativas”:[24] advertência, reparação, serviço à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade e internação em estabelecimento educacional . Essa última deve ser imposta somente quando individualmente justificada, em circunstâncias excepcionais e pelo menor tempo possível, de acordo com a lei.[25]

O número de crianças de 12 a 17 anos e jovens de 18 a 21 anos em detenção juvenil aumentou em termos absolutos entre 1996 e 2015, chegando a 26.800 em 2015, de acordo com os dados disponíveis. Desde então, diminuiu para cerca de 11.600 em junho de 2023 - o número mais baixo desde 2004.[26]

Os dados foram coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).[27]  O governo federal publica um relatório anual sobre a detenção de jovens em alguns anos, mas não o fez de 2018 a 2022.[28]  Em 2023, o governo Lula retomou a publicação.

Apesar do progresso, cerca de 10% dos jovens em detenção (1.091 pessoas) estavam fora da escola em junho de 2023, violando seu direito à educação.[29]  E aqueles que têm acesso à educação podem encontrar obstáculos importantes, como salas de aula em ruínas e um número de horas de aula inferior ao mínimo exigido por lei.[30]  Além disso, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e outros órgãos que monitoram as condições das unidades de detenção juvenil relatam rotineiramente outros graves problemas, que vão desde a infraestrutura precária e condições insalubres até o uso de armas menos letais como medidas disciplinares e maus-tratos (inclusive tortura) por parte dos funcionários.[31]

No estado do Ceará, por exemplo, 78% das unidades de internação não têm infraestrutura adequada, de acordo com organizações sem fins lucrativos locais[32]. O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura relatou que jovens de um centro de internação de Joinville, no estado de Santa Catarina, tiveram suas mãos e pernas algemadas juntas e depois foram espancados, uma prática que o Mecanismo considerou uma forma de tortura.[33]

A Human Rights Watch recomenda que o Comitê inste o governo brasileiro a:

  • Assegurar que as condições de detenção de jovens atendam a todos os requisitos de saúde, segurança, acesso à educação e treinamento e dignidade humana, em conformidade com a legislação brasileira e as normas internacionais.
  • Procurar alternativas à detenção adaptadas às necessidades e circunstâncias dos adolescentes em conflito com a lei e desenvolvasistemas adequados de apoio e supervisão.
  • Continuar a publicar relatórios anuais contendo dados sobre jovens detidos e acesso a serviços.

Garantir que todos os estados brasileiros criem e implementem Mecanismos Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura.
 

[1] Center for Reproductive Rights, “Brazil’s Abortion Provisions”, disponível em: https://reproductiverights.org/maps/provision/brazils-abortion-provisions/ (acessado em 6 de fevereiro de 2024).

[2]  Human Rights Watch, Relatório Mundial 2020: Brasil, janeiro 2019, https://www.hrw.org/world-report/2020/country-chapters/brazil.

[3] Organização Mundial da Saúde, “Adolescent Pregnancy,” 2 de junho, 2023, https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/adolescent-pregnancy (acessado em 6 de fevereiro de 2024).

[4] Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), “Seeing the Unseen: The case for action in the neglected crisis of unintended pregnancy, State of World Population 2022” (Nova York: UNFPA, 2022), disponível em: https://esaro.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/en_swp22_report_0_0.pdf (acessado em 6 de fevereiro de 2024).

[5] Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023 (São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023), https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf (acessado em 1º de agosto de 2023), pp. 15, 154.

[6] The Brazilian Report, Amanda Audi, “Unraveling Brazil’s teen pregnancy paradox”, September 24, 2023, https://brazilian.report/society/2023/09/24/unraveling-teen-pregnancy-paradox/ (acessado em 6 de fevereiro de 2024).

[7] Comitê dos Direitos da Criança, “Concluding observations on the combined second to fourth periodic reports of Brazil”, CRC/C/BRA/CO/2-4, 30 de outubro de 2015, disponivel em: https://acnudh.org/wp-content/uploads/2015/10/G1524832.pdf (acessado em 6 de fevereiro de 2024).

[8] Human Rights Watch, Regina Tamés and Cristina Quijano Carrasco, “Brazil’s Supreme Court A Step Closer to Decriminalizing Abortion”, 5 de outubro de 2023, https://www.hrw.org/news/2023/10/05/brazils-supreme-court-step-closer-decriminalizing-abortion.

[9] Human Rights Watch, “‘Tenho medo, esse era o objetivo deles’: esforços para proibir a educação sobre gênero e sexualidade no Brasil”, (Nova York: Human Rights Watch, 2022), https://www.hrw.org/pt/report/2022/05/12/381942.

[10] Câmara dos Deputados, “Comissão debate criação do Dia Nacional de Conscientização sobre a Doutrinação nas Escolas”, 31 de agosto de 2023, https://www.camara.leg.br/noticias/991349-comissao-debate-criacao-do-dia-nacional-de-conscientizacao-sobre-a-doutrinacao-nas-escolas/ (acessado em 6 de fevereiro de 2024).

[11] Manual de Defesa das Escolas, 2022, disponível em: https://manualdedefesadasescolas.org.br/ (acessado em 6 de fevereiro de 2024).

[12] “Brasil: ferramentas de educação online coletam dados de crianças”, Human Rights Watch, 3 de abril de 2023, https://www.hrw.org/pt/news/2023/04/03/brazil-online-learning-tools-harvest-childrens-data. A Human Rights Watch documentou em maio de 2022 que esses e outro site infringiam a privacidade de crianças e adolescentes. Veja Human Rights Watch, “How Dare They Peep into My Private Life?”: Children’s Rights Violations by Governments that Endorsed Online Learning During the Covid-19 Pandemic (Nova York: Human Rights Watch, 2022), https://www.hrw.org/report/2022/05/25/how-dare-they-peep-my-private-life/childrens-rights-violations-governments.

[13] Os sites são: Estude em Casa, Centro de Mídias da Educação de São Paulo, Descomplica, Escola Mais, Explicaê, MangaHigh e Stoodi. Um oitavo site, o Revisa Enem, enviou dados de crianças para uma empresa terceirizada, mas sem usar rastreadores específicos de anúncios.

[14] Human Rights Watch, Hye Jung Han, “Empresa brasileira toma providências para proteger estudantes de vigilância de dados”, 4 de abril de 2023, https://www.hrw.org/pt/news/2023/04/04/brazilian-company-moves-shield-students-data-surveillance.

[15] Declaração Escolas Seguras, disponível em: https://plan-international.org/uploads/2021/12/protect_our_education_-_por_final.pdf (acessado em 18 de Janeiro de 2023).

[16] “Guidelines for Protecting Schools and Universities from Military Use during Armed Conflict”,  18 de março de 2014, http://protectingeducation.org/sites/default/files/documents/guidelines_en.pdf (acessado em 18 de Janeiro de 2023).

[17] The Global Coalition to Protect Education from Attack, “Safe Schools Declaration Endorsements” https://ssd.protectingeducation.org/endorsement/ (acessado em 18 de Janeiro de 2023).

[18] “Joint Statement on children’s education”, 53ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos, junho de 2023, https://geneve.mae.lu/content/dam/amb_geneve/actualit%C3%A9s/2023/hrc53-interventions/hrc53-jst-on-childrens-education.pdf (acessado em 6 de julho de 2023).

[19] Human Rights Watch, “‘Eles ficam até morrer’: Uma vida de isolamento e negligência em instituições para pessoas com deficiência no Brasil” (Nova York: Human Rights Watch, 2018), https://www.hrw.org/pt/report/2018/05/23/318010.

[20] Idem.

[21] Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990, art. 19.

[22] Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.069/1990, https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm (acessado em 21 de fevereiro de 2024).

[23] Idem, art. 121, parágrafos 2-5.

[24] Idem, art. 112.

[25] Idem, art. 121.

[26] O relatório de 2023, incluindo o número de 11.600 crianças e jovens detidos, foi emitido pelo governo federal. A comparação com 2004 é baseada em dados publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ver Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania do Brasil, “Pesquisa Nacional de Dados SINASE – 2023” (Brasília: Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, 2023), https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/crianca-e-adolescente/LevantamentoSINASE2023.pdf (acessado em 21 de fevereiro de 2024) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Anuário Brasileiro de Segurança Pública 202 3 (São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023), https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf (acessado em 2 de fevereiro de 2024), pg. 329.

[27] Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023.

[28] Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania do Brasil, “Pesquisa Nacional de Dados do SINASE – 2023.

[29] Idem, pag. 29.

[30] Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro, “Relatório de inspeções em unidades do sistema prisional e socioeducativo do estado do Rio de Janeiro”, novembro de 2023, https://mnpctbrasil.files.wordpress.com/2023/12/relatorio-de-inspecoes-regulares-no-estado-do-rio-de-janeiro.pdf (acessado em 21 de fevereiro de 2024), pag. 35; e “Relatório de Inspeções Regulares realizado no estado do Mato Grosso”, 2023, https://mnpctbrasil.files.wordpress.com/2023/11/relatorio-de-inspecoes-regulares-no-estado-do-mato-grosso-final-compressed.pdf (acessado em 21 de fevereiro de 2024), pag. 139.

[31] Ver: Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro, “Relatório de inspeções em unidades do sistema prisional e socioeducativo do estado do Rio de Janeiro”; Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA Ceará), Fórum Permanente de Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará (FÓRUM DCA) e Coletivo Vozes de Mães e Familiares do Socioeducativo e Prisional, “5 ° Relatório de monitoramento do sistema socioeducativo cearense - Meio fechado”, 2023, https://cedecaceara.org.br//wp-content/uploads/2023/12/5o-RELATORIO-DO-MONITORAMENTO-DO-SISTEMA-SOCIOEDUCATIVO-CEARENSE-MEIO-FECHADO.pdf (acessado em 21 de fevereiro de 2024); Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA Ceará), “Relatório de visita de inspeção do centro socioeducativo feminino Aldaci Barbosa”, 2023, https://cedecaceara.org.br//wp-content/uploads /2023/10/RELATORIO-DE-VISITA-DE-INSPECAO-DO-CENTRO-SOCIOEDUCAT-IVO-FEMININO-ALDACI-BARBOSA-DIAGRAMADO.pdf (acessado em 21 de fevereiro de 2024); “Relatório de Inspeções Regulares realizado no estado do Mato Grosso,” 2023; Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, “Relatório de Inspeções realizadas no Estado de Santa Catarina, Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura”, 2023, https://mnpctbrasil.wordpress.com/wp-content/uploads/2023/10/relatorio-santa-catarina-.pdf (acessado em 21 de fevereiro de 2024); Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, “Relatório de inspeção – Unidades dos sistemas prisionais e socioeducativos de Sergipe”, fevereiro de 2023, https://mnpctbrasil.files.wordpress.com/2023/03/relatorio-missao-sergipe.pdf (acessado em 21 de fevereiro de 2024); e Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, “Relatório Anual 2022”, 2023, https://mnpctbrasil.files.wordpress.com/2023/08/relatorio_anual_2022_mnpct.pdf (acessado em 21 de fevereiro de 2024).

[32] Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA Ceará), Fórum Permanente de Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará (FÓRUM DCA) and Coletivo Vozes de Mães e Familiares do Socioeducativo e Prisional, “5° Relatório do monitoramento do sistema socioeducativo cearense - Meio fechado,” 2023.

[33] Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, “Relatório de Inspeções realizadas no Estado de Santa Catarina, Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura”, pag. 45.

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