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Américas: É urgente fortalecer a proteção das pessoas que fogem das crises da Venezuela e do Haiti

Acesso limitado à refúgio e integração empurra pessoas para o Estreito de Darién

Oficiais da SENAFRONT (Serviço Nacional de Fronteiras do Panama) coordenam a saída das "piraguas", canoas de madeira feitas de troncos de árvores ocos, movidas por pequenos motores de popa a gasolina, em Canaán Membrillo. Famílias indígenas as utilizam para transportar migrantes e solicitantes de refúgio. A viagem pode durar de quatro a seis horas, dependendo das condições do rio. © 2022 Human Rights Watch
  • Políticas de regularização e integração limitadas e, às vezes, precárias nos países latino-americanos forçam muitos migrantes e solicitantes de refúgio a cruzar o perigoso Estreito de Darién.
  • No último ano e meio, mais de 700.000 migrantes e solicitantes de refúgio atravessaram o Estreito de Darién, onde estão expostos a abusos de direitos humanos, inclusive violência sexual.
  • Com o agravamento das crises na Venezuela e no Haiti, os governos do continente americano deveriam tomar medidas urgentes para ampliar o acesso ao refúgio, aos processos de regularização e a oportunidades significativas de integração social e econômica.

(Bogotá) - Os governos do continente americano oferecem acesso inadequado ao refúgio e outras formas de proteção internacional para pessoas que fogem de crises de direitos humanos, inclusive na Venezuela e no Haiti.

O relatório, “Darién Gap: The Jungle Where Poor Migration Policies Meet”, (“Estreito de Darién: a selva onde deficientes políticas migratórias se encontram”, em português) que analisa as políticas de migração em seis países da região— BrasilChileColômbiaEquadorPanamáPeru — identificando os principais problemas que os migrantes e solicitantes de refúgio enfrentam para regularizar sua situação migratória, obter o reconhecimento como refugiado e acessar a integração social e econômica. O relatório, o terceiro de uma série de publicações da Human Rights Watch sobre a migração através do Estreito de Darién, fornece exemplos de como essas políticas limitadas levam migrantes e solicitantes de refúgio a se deslocarem para o norte através da selva.

“Os governos do continente americano não deveriam ficar de braços cruzados enquanto as crises na Venezuela e no Haiti se aprofundam”, disse Tirana Hassan, diretora executiva da Human Rights Watch. “Eles deveriam respeitar e promover os direitos humanos internamente e assegurar que pessoas que fogem tenham oportunidades significativas para obter proteção e refazer suas vidas.”

No último ano e meio, mais de 700.000 migrantes e solicitantes de refúgio cruzaram o Estreito de Darién, fugindo da violência, da perseguição e de catástrofes humanitárias. Isso inclui mais de 477.000 venezuelanos, 60.000 equatorianos e 41.000 haitianos.

A Human Rights Watch visitou o Estreito de Darién seis vezes entre abril de 2022 e setembro de 2024 e entrevistou mais de 300 pessoas. Os entrevistados incluíam migrantes e solicitantes de refúgio que fizeram ou estavam prestes a fazer a travessia, trabalhadores humanitários, autoridades colombianas e panamenhas e especialistas em migração de toda a região. Os pesquisadores também analisaram dados e relatórios dos governos da Colômbia, do Panamá e dos EUA; agências da ONU; organizações humanitárias e de direitos humanos internacionais, regionais e locais; e clínicas jurídicas locais.

Na Venezuela, os observadores internacionais que monitoraram as eleições levantaram sérias preocupações sobre o anúncio feito em 29 de julho pelo Conselho Nacional Eleitoral de que Nicolás Maduro havia sido reeleito presidente em 28 de julho de 2024. Após a eleição, as autoridades venezuelanas cometeram abusos generalizados de direitos humanos contra manifestantes majoritariamente pacíficos, líderes da oposição e críticos. Em 2 de setembro, um juiz ordenou a prisão do candidato presidencial da oposição, Edmundo González, que recebeu o maior número de votos de acordo com o Centro Carter, que observou a eleição.

Em uma pesquisa realizada na Venezuela após a eleição, 43% das pessoas que responderam estavam pensando em deixar o país, incluindo 1,5 milhão de pessoas que planejavam fazê-lo até o final deste ano.

Apesar do recente estabelecimento de um governo de transição, o Haiti tem enfrentado uma crise política prolongada, que deixou o país sem nenhuma autoridade democraticamente eleita e incapaz de garantir segurança e acesso a serviços essenciais para sua população. Cerca de 300 grupos criminosos agora controlam grande parte da capital, Porto Príncipe, e sua área metropolitana, resultando em quase 3.500 mortes no primeiro semestre de 2024.

Essa violência forçou quase 600.000 pessoas a se deslocarem internamente entre janeiro e junho, sendo que os grupos criminosos frequentemente usam violência sexual, inclusive estupro coletivo, e sequestro para aterrorizar e controlar os bairros. O Haiti também tem enfrentado uma catastrófica situação humanitária, com 5,5 milhões de pessoas, quase metade da população, vivendo com necessidades humanitárias.

O aumento dos migrantes e solicitantes de refúgio equatorianos por decorre do aumento acentuado da criminalidade e da violência no país, com taxas recordes de homicídio e extorsão. A pobreza e a falta de emprego adequado também são fatores importantes.

A Human Rights Watch constatou que alguns governos latino-americanos têm feito esforços louváveis para receber migrantes e solicitantes de refúgio. No entanto, as opções limitadas de regularização, o acesso precário ao refúgio e os programas de integração limitados deixaram centenas de milhares de pessoas incapazes de refazer suas vidas, forçando muitas a seguir para o norte.

Embora seja difícil calcular o número exato de pessoas que saem de cada país da América do Sul e cruzam o Estreito de Darién, pesquisas realizadas pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) entre janeiro e julho no Estreito de Darién mostram que entre 45% e 67% dos venezuelanos que atravessaram a selva tinham vivido em outros países da América do Sul.

Um recente acordo entre os Estados Unidos e o Panamá, segundo o qual os Estados Unidos pagarão ao Panamá para “expulsar estrangeiros que não tenham base legal para permanecer no Panamá”, provavelmente piorará o acesso ao refúgio no continente americano , disse a Human Rights Watch. Dado o sistema de refúgio inadequado e com poucos recursos do Panamá, a expulsão em larga escala de solicitantes de refúgio poderia violar a obrigação legal do Panamá de respeitar o princípio da não-devolução, ou seja, não devolver as pessoas a um local onde elas provavelmente sofrerão abusos. Isso também implica que os EUA se esquivariam de suas responsabilidades ao terceirizar seus controles de migração para um país com capacidade demonstravelmente menor de conduzir uma análise completa e justa dos pedidos de refúgio.

Os esforços para regularizar a migração na região muitas vezes têm sido insuficientes devido a cronogramas restritivos, procedimentos complexos, onerosas exigências de documentos e atrasos administrativos. Os sistemas de refúgio também sofrem com a capacidade limitada, resultando em atrasos significativos e em uma aplicação inconsistente da Declaração de Cartagena, que exige ampla proteção para os refugiados.

Embora tenha havido algumas iniciativas locais para melhorar a integração dos migrantes, a ausência de estratégias claras de integração social e econômica fez com que muitos migrantes ficassem sem emprego adequado e enfrentassem dificuldades de acesso a serviços de saúde, moradia, educação e programas sociais. A discriminação e a xenofobia, inclusive o assédio sexual relacionado a elas, são cada vez mais comuns.

O 40º aniversário da Declaração de Cartagena de 1984 é uma oportunidade para que os governos busquem soluções coordenadas para os desafios da migração na região e adotem políticas que respeitem os direitos humanos e que garantam o acesso a caminhos seguros e legais para a migração, processos efetivos de regularização e oportunidades significativas de integração social e econômica, disse a Human Rights Watch. Os governos deveriam considerar valiosos exemplos de políticas implementadas na região, incluindo o reconhecimento prima facie do Brasil para os venezuelanos como refugiados e vistos humanitários anteriores para os haitianos, bem como os esforços da Colômbia para conceder status de proteção temporária para os venezuelanos.

Os governos deveriam criar um sistema de proteção temporária em toda a região que concedesse a todos os venezuelanos e haitianos status legal por tempo razoável e renovável, disse a Human Rights Watch. Deveriam também criar um mecanismo regional equitativo para determinar critérios de distribuição das análises dos pedidos de refúgio e de proteção aos refugiados.

“O agravamento da crise na Venezuela e no Haiti exige que os governos do continente americano, incluindo os Estados Unidos, melhorem suas políticas migratórias”, disse Hassan. “É crucial que trabalhem urgentemente em uma resposta regional coordenada que garanta a proteção das pessoas que fogem de crises de direitos humanos em toda a região.”

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