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Brasil

Confinamento Cruel: Abusos contra crianças detidas no norte do Brasil

III. VISÃO GERAL DA INTERNAÇÃO JUVENIL NO NORTE DO BRASIL

Um pouco menos de 400 jovens eram mantidos em centros de internação juvenil nos 5 estados que visitamos em abril de 2002. À época de nossa visita, o estado de Rondônia tinha o número mais baixo de jovens internados, um total de 24 jovens em duas instalações de sua capital, Porto Velho. O Amazonas tinha o número mais alto de jovens internados, com um total de 114. O Maranhão tinha 67, o Amapá, 77, e o Pará, 88 jovens.4 As meninas constituíam menos de 12% do número total de jovens detidos nos 5 estados. Em abril de 2002, havia 6 meninas internadas no Amapá, 24 no Amazonas, 3 numa das duas instalações para meninas no Maranhão, 8 no Pará e 4 em Rondônia.5

São comuns os espancamentos nas mãos da polícia tanto durante como após a prisão. Estes abusos ocorrem geralmente nas delegacias, onde a legislação brasileira permite que crianças sejam mantidas durante até 5 dias enquanto esperam transferência a uma instalação de detenção juvenil. Por exemplo, no estado do Amazonas, quase todos os meninos e meninas com quem conversamos declararam ter sido espancados por policiais nas delegacias locais. Nas áreas rurais, onde a polícia viola rotineiramente o limite de 5 dias de detenção em xadrez da polícia, as crianças encontram-se sob o maior risco de agressão por parte da polícia.

A legislação brasileira garante aos jovens o direito à representação legal, inclusive assistência legal gratuita aos necessitados, o que significa que, em teoria, uma criança pode pedir assistência ao seu advogado para apresentar uma queixa. Mas poucos jovens com quem conversamos tiveram, na prática, uma oportunidade de falar com seus advogados. Quase todos eram representados pelo defensor público.

O Estatuto da Criança e do Adolescente
O Brasil dispõe de legislação federal de justiça juvenil, parte do Estatuto da Criança e do Adolescente. Adotado em 1990, o estatuto resultou de uma ampla reforma para implementar os compromissos assumidos pelo Brasil perante a Convenção sobre os Direitos da Criança.6 (O sistema de justiça criminal de adultos também é regido por uma única lei federal.7)

Os jovens de idade entre 12 e 17 anos, que o estatuto designa como "adolescentes", são criminalmente responsáveis nos termos da legislação de justiça juvenil do Brasil. As disposições relativas à internação estabelecem que os jovens podem ser mantidos em centros de internação juvenil até a idade de 21 anos. As crianças delinqüentes com menos de 12 anos não são criminalmente responsáveis; ao contrário, são tratadas como crianças necessitadas de proteção.8

Existe algum apoio popular no Brasil, como também em outros países da região, à redução da idade na qual uma criança pode ser indiciada por um crime. "Existe uma tendência muito forte de redução da idade de responsabilidade criminal", disse Francisco Lemos, um advogado da organização não governamental Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Padre Marcos Passerini, de São Luís, capital do Maranhão. Joisiane Gamba, advogada da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, organização não governamental baseada em São Luís, acrescentou: "Estes esforços intensificaram-se após 11 de setembro de 2001" (data dos ataques terroristas aos Estados Unidos).9

O movimento para a redução da idade de responsabilidade criminal resulta em parte de uma percepção errônea sobre a prevalência de crimes violentos juvenis. Como observa Lemos: "A maioria dos crimes são cometidos por adultos. Somente 10% de todos os atos ilícitos são cometidos por adolescentes, tratando-se estes, mais freqüentemente, de crimes contra a propriedade."10

Depois de apreendido, o jovem deve ser entregue a um dos pais ou a um adulto responsável; a privação da liberdade deve limitar-se aos casos graves em que a segurança do jovem ou a ordem pública o exija.11 Se forem internados, os jovens podem ser mantidos em repartição policial por não mais do que 5 dias, após os quais devem ser libertados ou transferidos a um centro de internação juvenil.12 Porém o limite de 5 dias poderá não oferecer aos jovens a proteção de que necessitam, pois as delegacias estão sujeitas a um nível menor de supervisão independente do que os centros de internação juvenil, e tanto jovens como adultos relatam freqüentemente terem sofrido espancamentos e tortura nas mãos da polícia durante e após sua prisão.13 "A polícia é muito agressiva", disse Tobias V., mantido no Centro de Internação Espaço Recomeço do Pará.14 No Amazonas, quase todos os rapazes e moças com quem conversamos informaram terem sido agredidos por policiais durante sua passagem pelas delegacias. "Somos muito maltratados aqui na cadeia da polícia", contou Fernando A. "A polícia me espancou e eu tive que ser levado para o hospital", disse Elden D. Quando lhe perguntamos por que havia apanhado da polícia, ele respondeu: "Porque eu era acusado de homicídio." Maurício O. disse à Human Rights Watch: "Eles batem na gente para nos forçar a falar."15 Apesar das moças entrevistadas não terem descrito incidentes de assédio sexual, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados relata que, durante uma inspeção feita em março de 2001, duas das três meninas que se encontravam no centro de internação feminino do Pará disseram que frequentemente os policiais tentavam convencer as meninas detidas em xadrez a terem relações sexuais com eles. "Os dois casos relatam incidentes de assédio sexual nos quais policiais sem escrúpulos prometiam soltar as meninas se elas concordassem em prestar-lhes favores sexuais", concluiu a comissão.16

Em sua maioria, os jovens que entrevistamos relataram terem sido mantidos em delegacias locais por cinco dias ou menos. No entanto, jovens de áreas rurais revelaram terem sido mantidos em xadrez policial por períodos superiores ao máximo de cinco dias especificado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Por exemplo, Maurício B., preso no interior do estado do Amazonas quando tinha 15 anos, disse que passou três meses em um xadrez da polícia antes de ser transferido à instalação de internação pré-julgamento em Manaus.17

Os jovens podem ser mantidos em internação pré-julgamento por um período máximo de 45 dias;18 o estatuto dispõe ainda que se um adolescente for colocado em internação pré-julgamento, o período máximo e não prorrogável para a conclusão dos procedimentos judiciais será de 45 dias.19 O período de 45 dias parece incluir o tempo de internação pré-julgamento passado em xadrez da polícia: o termo referente à detenção, internação, é usado em outras partes do estatuto para referir-se ao tempo passado sob a custódia da polícia antes de ser transferido a um centro de internação pré-julgamento.20 De forma correspondente, um jovem mantido por 5 dias numa delegacia local antes de ser transferido a um centro de internação pré-julgamento somente pode permanecer internado por mais 40 dias. Um defensor público do Rio de Janeiro confirmou nossa interpretação desta disposição, informando-nos que seu departamento entendia que o período de 45 dias se iniciava no momento da prisão.21 Mas, na prática, as autoridades de internação acham que o período de 45 dias se inicia no dia em que a pessoa chega ao local de internação pré-julgamento.

Não obstante esta exceção, as autoridades responsáveis pela internação e os juízes parecem observar escrupulosamente o limite de internação pré-julgamento. Não tivemos notícia de nenhum outro jovem que tenha sido mantido por mais de 45 dias em um centro de internação pré-julgamento, exceto no estado do Amapá. Seguindo o exemplo de um tribunal de São Paulo, os tribunais juvenis do Amapá autorizam a internação pré-julgamento por mais 45 dias quando consideram que os jovens são perigosos e violentos.22 Estas prorrogações parecem infringir as disposições do estatuto quanto ao período máximo de internação pré-julgamento e o período "máximo e improrrogável" de procedimentos judiciais.

Os jovens delinquentes podem ser sentenciados segundo qualquer uma das seis medidas sócio-educativas: advertência, reparação, serviço comunitário, liberdade assistida, semiliberdade, e confinamento em um centro de internação.23 A mais rígida destas medidas, a internação, está "sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento."24 Este princípio conforma-se à norma estabelecida pela Convenção sobre os Direitos da Criança, a qual dispõe que a apreensão, internação e prisão de uma criança "será usada somente como medida de última instância e pelo período mais curto de tempo que for apropriado."25

Mas os juízes nem sempre aplicam a lei com compreensão. "O relacionamento com o judiciário é difícil", disse uma representante da Fundação da Criança e do Adolescente do Amapá. "A internação deveria ser aplicada, em princípio, como última instância. Mas os juízes não a entendem desta forma. . . . Há muita confusão com relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente em todo o estado."26

A internação não pode durar mais do que 3 anos e não pode estender-se além dos 21 anos de idade.27 Seja qual for a duração da sentença, o juiz deverá reavaliar a decisão de internar uma criança pelo menos a cada seis meses. Como parte deste processo de revisão, os assistentes sociais que trabalham nos centros de internação devem preparar e apresentar relatórios semestrais sobre cada jovem internado. Estes relatórios podem recomendar a liberação antecipada da criança, porém "o juiz nem sempre responde com presteza", informou Loide Gomes da Silva Ferreira, assistente social do Centro de Defesa Padre Marcos Passerini de São Luís.28

Na prática, emprega-se freqüentemente a medida menos restritiva conhecida por semiliberdade depois que o jovem já passou um período internado. "A semiliberdade é usada geralmente de forma progressiva. O adolescente não é colocado imediatamente nesta situação. Ao contrário, ele deverá fazer a transição da internação à semiliberdade", comentou Francisco Lemos.29 Mas conversamos no Amapá com vários jovens, inclusive os acusados de delitos mais graves, que tinham sido sentenciados a medidas menos restritivas no início. Por exemplo, Jacó G., rapaz de 15 anos, foi considerado culpado do crime de homicídio e colocado diretamente na unidade de semiliberdade.30

A maioria dos estados da região adotaram uma administração municipal, ao invés de estadual, das medidas sócio-educativas "abertas", inclusive da liberdade assistida. No entanto, muitas áreas rurais não dispõem da infra-estrutura e pessoal para administrar estas medidas. "Há casos em que as pessoas poderiam estar sujeitas a outras medidas, mas os juízes as enviam para cá", disse Maria Luiza Jarolim, psicóloga do Centro de Internação Espaço Recomeço, no Pará. Cinco dos jovens internados nesta unidade, inclusive dois de 15 anos de idade, estavam ali porque o tribunal os havia considerado como jovens sob risco. Jarolim disse-nos que os juízes haviam sentenciado os jovens ao centro de internação porque não havia capacidade administrativa para medidas menos restritivas de sentenciamento nas áreas rurais do estado.31

Além disso, "os juízes do interior não têm um entendimento do Estatuto da Criança e do Adolescente", disse Francisco Lemos.32 Ouvimos comentários semelhantes dos que trabalham com jovens em outros estados. "Na prática, eles ainda seguem o velho Código de Menores", disse Márcio da Silva Cruz, advogado do Cedeca/Emaús, em Belém.33

Em conseqüência destes fatores, Lemos observa que muitas crianças que deveriam ser colocadas sob medidas menos restritivas são, ao invés, internadas.34

Representação legal
A lei brasileira garante aos jovens o direito de ter representação legal, inclusive assistência legal gratuita aos necessitados.35 Apesar de todos os jovens com quem falamos terem demonstrado que estavam cientes de terem representação legal, normalmente prestada pelo defensor público, poucos tinham na verdade discutido seus casos com seus representantes. Os seguintes comentários são típicos do que ouvimos dos jovens durante as entrevistas:

· Gilson R., internado no Centro de Internação Espaço Recomeço, representado pelo defensor público, disse: "Ele nunca conversou comigo. Ele veio ao EREC uma vez, mas apenas passou por mim. Não veio para me ver."36 (EREC é a sigla de referência mais comum ao Centro de Internação Espaço Recomeço).
· "Tenho um advogado, o defensor público", disse Damião P., 15 anos. "Ele não conversou comigo."37
· Edison L., que havia passado 15 dias na internação pré-julgamento antes da nossa entrevista, disse-nos que era representado pelo defensor público. "Mas nunca o vi. Ele não estava no tribunal quando eu estive lá."38
· "Falei com ela uma vez na sala do tribunal", disse Flávio M. "Nunca a vi no EREC."39
· "Tenho um defensor público, mas nunca falei com ele", contou-nos Graça Q..40

Sir Nigel Rodley, que era na época o relator da ONU sobre a tortura, observou em 2001 que "em muitos locais os defensores públicos . . . recebem tão pouco em comparação com os promotores que seu nível de motivação, compromisso e influência é extremamente deficiente, como também são seu treinamento e experiência."41

Instalações de internação juvenil
A Human Rights Watch visitou cinco estados do norte e nordeste do Brasil para realizar as pesquisas necessárias à preparação deste relatório. Quatro destes estados - Amapá, Amazonas, Rondônia e Pará - estão na região amazônica. O quinto, Maranhão, é o estado mais ocidental da região nordeste do Brasil, fazendo divisa com o estado do Pará. Visitamos um total de 15 centros de internação, inclusive quatro unidades que abrigavam meninas. Este total também incluiu quatro centros de internação pré-julgamento, um em cada um dos quatro estados que dispõem de unidades separadas para este tipo de internação. Além disso, visitamos dois centros para crianças que receberam sanções menos restritivas de semi-liberdade (uma medida permitindo os jovens servirem suas penas em unidades semelhantes a albergues), e liberdade assistida. No total, visitamos as seguintes unidades:

Amapá Casa de Semiliberdade

Centro Educacional Açucena
Centro Educacional Aninga
Centro de Internação Provisória

Amazonas Centro Sócio-educativo Assistente Social Dagmar Feitoza

Centro Sócio-educativo Marise Mendes

Centro Sócio-educativo Senador Raimundo Parente
Unidade de Internação Provisória

Maranhão Centro de Juventude Esperança

Centro de Internação Provisória

Pará Centro de Internação Espaço Recomeço (EREC)

Centro de Internação de Adolescentes Masculino (CIAM)
Centro Juvenil Masculino (CJM)

Centro de Internação de Adolescentes Feminino (CIAF)
Centro Sócio-educativo Masculino (CESEM)

Rondônia Casa do Adolescente

Casa da Adolescente

Com exceção do Maranhão, que tem centros de internação pré-julgamento em São Luís e Imperatriz, os centros de internação juvenil de todos os estados visitados estão localizados somente na área metropolitana das capitais. Isto cria dificuldades para muitos jovens de áreas rurais que devem ser internados. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados assim comentou a situação no Pará:

Essa circunstância - a concentração de unidades de internação existentes na capital - já evidencia um problema estrutural bastante grave, uma vez que adolescentes do interior do Pará que recebam medidas de privação de liberdade devem ser encaminhados a Belém. Na maioria dos casos, isso implicará a ausência de visitações por parte de seus familiares, invariavelmente pobres e impossibilitados de arcar com os custos do deslocamento. Assim, muitos dos adolescentes internados não estarão apenas privados de sua liberdade, estarão, também, sós.42

A observação da comissão aplica-se às famílias da área rural de todos os estados visitados. Os obstáculos a visitas são particularmente grandes no Amazonas, onde a enorme extensão territorial e a deficiência de estradas na maior parte do estado exige que muitas famílias viagem de barco por dois, três ou mais dias só para chegar à capital.

Autoridades responsáveis
Os centros de internação juvenil do Brasil são administrados por autoridades estaduais e não federais. Cada um dos 26 estados e o distrito federal de Brasilia tem sua própria estrutura organizacional, elabora suas próprias políticas e administra um conjunto separado de unidades de internação juvenil.

A estrutura dos sistemas juvenis estaduais varia, porém quase todos administram centros de internação juvenil por meio de órgãos que também geram programas dirigidos a jovens que necessitam de proteção. Alguns estados alocam tais funções administrativas às secretarias de bem-estar social, geralmente através de órgãos governamentais como "fundações". Por exemplo, no Maranhão, a Fundação da Criança e do Adolescente é uma divisão da Gerência de Desenvolvimento Social. No Amazonas, o Departamento da Criança e do Adolescente é parte da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social.

Monitoração independente
As normas internacionais pedem a monitoração independente e objetiva dos centros de internação juvenil como uma forma de prevenir os abusos que ocorrem em situações de internação.43 Muitos abusos são cometidos em centros de internação juvenil, como também em prisões para adultos, porque estas são instituições fechadas, sujeitas a pouco escrutínio externo. Os abusos seriam menos prováveis se os responsáveis pelas unidades soubessem que estas poderiam ser inspecionadas por terceiros, que alertariam a outros quanto a possíveis abusos cometidos. O acesso regular a unidades de internação juvenil por parte de agentes externos de monitoração - desde juízes a grupos nacionais e internacionais de direitos humanos e comissões do legislativo - poderiam ter um papel extremamente positivo na prevenção ou minimização dos abusos dos direitos humanos.

A procuradoria geral, ou Ministério Público, pode inspecionar entidades e programas públicos e privados para crianças, inclusive centros de internação juvenil.44 O estatuto dá ao representante do Ministério Público "livre acesso a todo local onde se encontre criança ou adolescente."45

Atuando a pedido do procurador geral ou por sua própria iniciativa, um juiz poderá conduzir uma audiência sobre as condições de internação. O juiz poderá afastar temporariamente o diretor de um centro, dependendo dos resultados da audiência. Nos termos do estatuto, o juiz poderá também ordenar a remoção definitiva do diretor e impor uma multa ou advertência ao diretor.46 O estatuto não especifica outras medidas de reparação que o juiz poderia ordenar.47 Em contraste, a legislação penal de adultos autoriza especificamente ao juiz "interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei."48

As entidades estaduais e federais, inclusive comissões oficiais de direitos humanos, poderão também monitorar as condições de internação juvenil. No âmbito federal, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados inspecionou instalações de internação juvenil em pelo menos cinco estados - Minas Gerais, Pará, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe - divulgando um relatório volumoso sobre suas constatações, em 2001.49 Nos âmbitos estadual e municipal, é freqüente encontrar conselhos de direitos humanos, os quais são capazes, em teoria, de inspecionar as instalações de internação juvenil e de adultos. Por exemplo, em Rondônia, os membros do Conselho Estadual de Direitos Humanos visitam com freqüência os centros de internação juvenil de Porto Velho.

As principais organizações independentes envolvidas na monitoração dos centros de internação juvenil são os Centros de Defesa da Criança e do Adolescente, organizações não governamentais que funcionam em vários estados. Existem centros no Maranhão e no Pará, dois dos cinco estados visitados pela Human Rights Watch. Somente o Pará garante aos representantes destes centros acesso às instituições de internação juvenil; a constituição do estado do Pará permite este acesso a "toda e qualquer entidade ligada à defesa da criança e do adolescente."50

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos que promove e protege os direitos humanos na região, recebe queixas referentes às condições de internação e outros abusos dos direitos humanos. Além de sua função decisória, a comissão faz visitas ocasionais aos países para obter informações de primeira mão sobre alegações de abusos. Uma destas visitas de campo foi feita ao Brasil em dezembro de 1995. O relatório dessa visita foi publicado em 1997 e inclui um capítulo sobre crianças.51

Finalmente, como signatário dos principais tratados internacionais sobre direitos humanos, o Brasil compromete-se a prestar relatórios periódicos aos comitês que monitoram o cumprimento destes tratados. Estes comitês, que monitora o cumprimento do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; o Comitê contra a Tortura, que realiza a mesma função com relação à Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; e o Comitê sobre os Direitos da Criança, o órgão de implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança. As organizações não governamentais apresentam freqüentemente relatórios alternativos a estes órgãos de implementação depois que o governo já tenha apresentado seu relatório periódico.52 O primeiro relatório do Brasil ao Comitê dos Direitos da Criança deveria ter sido apresentado em outubro de 1992 e o segundo em outubro de 1997. Ainda não foram apresentados. O comitê pediu ao Brasil que apresentasse um relatório consolidado até fevereiro de 2003, o que não foi feito.53

4 Entrevistas da Human Rights Watch com Raimundo Monteiro, gerente do Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002; pessoal do Centro de Internação de Adolescentes Masculino, Ananideua, Pará, 9 de abril de 2002; pessoal do Centro Juvenil Masculino, Ananideua, Pará, 10 de abril de 2002; pessoal do Centro de Internação de Adolescentes Feminino, Ananideua, Pará, 11 de abril de 2002; Angela Pompeu, gerente do Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002; Maria de Socorro Gatinho Ribeiro, diretora do Departamento de Programas Gerais, Fundação da Criança e do Adolescente, Macapá, Amapá, 15 de abril de 2002; Dione Maria Pereira Baquil, coordenadora da Área Sócio-Educativa, Fundação da Criança e do Adolescente, São Luís, Maranhão, 19 de abril de 2002; Paulo Alfonso Sampaio, diretor da Secretaria da Criança e do Adolescente, Manaus, Amazonas, 22 de abril de 2002; pessoal da Casa do Adolescente, Porto Velho, Rondônia, 24 de abril de 2002; pessoal da Casa da Adolescente, Porto Velho, Rondônia, 25 de abril de 2002.

5 Ibid.

6 Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei No. 8.069 de 13 de julho de 1990. O governo federal adotou também uma lei contra a tortura. Ver Lei da Tortura, Lei No. 9.455 de 7 de abril de 1997.

7 Ver Lei de Execução Penal, Decreto-Lei No. 7.210 de 11 de julho de 1984.

8 Estatuto da Criança e do Adolescente, arts. 2, 105, 121. Ver também Munir Cury et al., coords., Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais, 4ª. ed. (São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2002), pp. 14-15, 334-35.

9 Entrevista da Human Rights Watch com Francisco Lemos, advogado do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Padre Marcos Passerini, e com Joisiane Gamba, advogada da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, São Luís, Maranhão, 18 de abril de 2002.

10 Entrevista da Human Rights Watch com Francisco Lemos, 18 de abril de 2002.

11 "Comparecendo qualquer dos pais ou responsável, o adolescente será prontamente liberado pela autoridade policial, sob termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério Público, no mesmo dia ou, sendo impossível, no primeiro dia útil imediato, exceto quando, pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública." Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 174.

12 "Sendo impossível a pronta transferência, o adolescente aguardará sua remoção em repartição policial, desde que em seção isolada dos adultos e com instalações apropriadas, não podendo ultrapassar o prazo máximo de cinco dias, sob pena de responsabilidade." Ibid., art. 185, para. 2.

13 Ver, por exemplo, Human Rights Watch/Americas, Brutalidade Policial no Brasil (New York: Human Rights Watch, 1997), pp. 28-31; Human Rights Watch, O Brasil Atrás das Grades (New York: Human Rights Watch, 1998), pp. 38-44.

14 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

15 Entrevistas da Human Rights Watch, Unidade de Internação Provisória, Manaus, Amazonas, 23 de abril de 2002.

16 Câmara dos Deputados, Comissão de Direitos Humanos, IV Caravana Nacional de Direitos Humanos: uma amostra da situação dos adolescentes privados de liberdade nas FEBEMs e congêneres: o sistema Febem e a produção do mal (Brasília: Câmara dos Deputados, Centro de Documentação e Informação, Coordenação de Publicações, 2001), p. 37.

17 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Assistente Social Dagmar Feitoza, Manaus, Amazonas, 22 de abril de 2002.

18 "A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias." Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 108.

19 "O prazo máximo e improrrogável para a conclusão do procedimento, estando o adolescente internado provisoriamente, será de quarenta e cinco dias." Ibid., art. 183.

20 Por exemplo, o estatuto observa que, após a apreensão, o jovem deve permanecer em internação somente em casos graves. Ibid., art. 174.

21 Entrevista da Human Rights Watch com Carlos Benati, defensor público, Rio de Janeiro, 11 de setembro de 2002.

22 Ver Auto No. 4257/2001, Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Santana, 29 de novembro de 2001, citando Habeas Corpus No. RJTSP 133/259, Tribunal de Justiça de São Paulo, n.d., e Habeas Corpus No. 502/99, Tribunal de Justiça do Estado do Amapá, 1999.

23 Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 112. Para uma descrição breve destas medidas, ver Mário Volpi, ed., O Adolescente e o ato infracional, 4a. ed. (São Paulo: Cortez Editora, 1997), pp. 23-44.

24 "A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento." Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 121.

25 Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 37(b).

26 Entrevista da Human Rights Watch, Fundação da Criança e do Adolescente, Macapá, Amapá, 15 de abril de 2002.

27 Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 121, parágs. 2-5.

28 Entrevista da Human Rights Watch com Loide Gomes da Silva Ferreira, assistente social, Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Padre Marcos Passerini, São Luís, Maranhão, 18 de abril de 2002.

29 Entrevista da Human Rights Watch com Francisco Lemos, 18 de abril de 2002.

30 Entrevista da Human Rights Watch, Macapá, Amapá, 15 de abril de 2002.

31 Entrevista da Human Rights Watch com Maria Luiza Jarolim, psicóloga, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

32 Entrevista da Human Rights Watch com Francisco Lemos, 18 de abril de 2002.

33 Entrevista da Human Rights Watch com Márcio da Silva Cruz, advogado, Cedeca-Emaús, Belém, Pará, 5 de abril de 2002.

34 Entrevista da Human Rights Watch com Francisco Lemos, 18 de abril de 2002.

35 Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 111.

36 Entrevista da Human Rights Watch, Anexo do Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

37 Entrevista da Human Rights Watch, Anexo do Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

38 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação de Adolescentes Masculino, Ananideua, Pará, 9 de abril de 2002.

39 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Juvenil Masculino, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

40 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação de Adolescentes Feminino, Ananideua, Pará, 11 de abril de 2002.

41 Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, Comissão de Direitos Humanos, 57a. sessão, item da agenda 11(a), Direitos Civis e Políticos, Inclusive as Questões de Tortura e Internação, Report of the Special Rapporteur, Sir Nigel Rodley, submitted pursuant to Commission on Human Rights Resolution 2000/43, Addendum: Visit to Brazil [Relatório do Relator Especial Sir Nigel Rodley, apresentado em atendimento à resolução 2000/43 da Comissão de Direitos Humanos, Adendo: Visita ao Brasi]l, para. 162.

42 Comissão de Direitos Humanos, IV Caravana Nacional de Direitos Humanos, p. 25.

43 Ver as Regras das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade, G.A. Res. 45/133 (1990), art. 72; Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, aprovadas pela Res. ECOSOC ONU 663 C (XXIV) (1957) e Res. 2076 (LXII) (1977), art. 55. Ver também Comitê sobre os Direitos da Criança, 25ª. sessão, State Violence Against Children [Violência do Estado contra as crianças], Doc. ONU CRC/C/97 (22 de setembro de 2000), em Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Committe on the Rights of the Child: Reports of General Discussion Days [Comitê sobre os Direitos da Criança: Relatórios de Dias de Discussão Geral] (Genebra: Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, s.d.), para. 688, recomendação 26, p. 131; Penal Reform International, Making Standards Work [Fazendo as Normas Funcionarem] (Haia: Penal Reform International, 1995), pp. 161-65.

44 "Compete ao Ministério Público: . . . XI - inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os programas de que trate esta Lei, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades porventura verificadas . . . ." Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 201(XI).

45 "O representante do Ministério Público, no exercício de suas funções, terá livre acesso a todo local onde se encontre criança ou adolescente." Ibid., art. 201(3).

46 Ibid., arts. 191-93.

47 O estatuto dispõe, no entanto, que as normas do Código de Processo Civil aplicam-se a todas as ações submetidas ao estatuto. Ibid., art. 212(1).

48 Lei de Execução Penal, art. 66 (VIII).

49 Ver Comissão de Direitos Humanos, IV Caravana Nacional de Direitos Humanos.

50 "É garantida a toda e qualquer entidade ligada à defesa da criança e do adolescente, legalmente constituída, o livre acesso às instituições ou locais para onde os mesmos forem encaminhados pelos órgãos judiciários, de assistência social, de segurança pública, garantindo igualmente o livre acesso a dados, informações, inquéritos e processos a eles relativos." Constituição do Estado do Pará, art. 297.

51 Ver Organização dos Estados Americanos, Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório sobre os direitos humanos no Brasil, 1997, OEA/Ser.L/V/II.97, Doc.29 rev. 1 (1997).

52 Ver, por exemplo, Justiça Global et al., Relatório alternativo de entidades de direitos humoanos tortura no Brasil (Genebra: Justiça Global, 2001), disponível em http://www.global.org.br/portugues/modules.php?name=News&file= article&sid=17, visitado em 1º de abril de 2003.

53 Mensagem de correio eletrônico de Laura Theytaz-Bergman, pessoa de ligação da CRC/ONG, ONG relacionada à Convenção sobre os Direitos das Crianças, 26 de fevereiro de 2003.


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I. RESUMO

II. RECOMENDAÇÕES

III. UMA VISÃO GERAL DA DETENÇÃO JUVENIL NO NORTE DO BRASIL

IV. MAUS TRATOS PELA POLÍCIA MILITAR E GUARDAS CIVIS

V. USO EXCESSIVO DA CONTENÇÃO

VI. VIOLÊNCIA ENTRE JOVENS

VII. CONDIÇÕES DE VIDA

VIII. EDUCAÇÃO

IX. SERVIÇOS MÉDICOS E DE SAÚDE MENTAL

AGRADECIMENTOS

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