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Confinamento Cruel: Abusos contra crianças detidas no norte do Brasil

VI. VIOLÊNCIA ENTRE OS JOVENS

Não ouvimos muitos relatos de violência entre os jovens, mas alguns deles comentaram sobre atos violentos muitos graves cometidos por outros jovens detentos. Em uma unidade, uma adolescente apresentava cicatrizes no rosto, pescoço e braços que, segundo ela, eram resultado de um luta com outra garota. Em outro lugar, uma assistente social do centro de defesa das crianças disse-nos que alguns jovens alegavam terem sofrido agressão sexual e outros atos de violência cometidos por outros jovens. Estes relatos ilustram de forma contundente a necessidade de separar os jovens segundo sua idade, maturidade física, gravidade do delito e outros fatores, o que é uma exigência da legislação brasileira que muitos centros de internação observam apenas em parte.

Muitas crianças que entrevistamos revelaram-se menos dispostas a dar informações quando perguntamos sobre a violência entre os jovens, respondendo rapidamente que não tinham nenhum problema com os outros. Outras nos disseram que os incidentes que tinham visto não eram tão sérios. Quando lhe perguntamos se havia brigas em Aninga, Lucas G. disse: "Não do tipo violento."183

Os jovens pareciam ter mais tranqüilidade para discutir incidentes que haviam ocorrido em outros centros de internação. O Centro de Internação Espaço Recomeço "era horrível", disse Henrique O., que passou dois meses naquela unidade antes de vir para o Centro Sócio-educativo Masculino (CESEM). "Aqui o espaço é muito maior. Aqui é muito diferente. Lá, você passa o tempo todo trancado [no Espaço Recomeço], uma pessoa batendo na outra. Tem muita briga por lá."184 Josefina S., lotada temporariamente no centro de internação pré-julgamento do Amapá, enquanto o centro de internação Aninga estava em obras, nos disse: "Aninga é um pouco mais pesado. Os prisioneiros estão sempre batendo uns nos outros. Aqui é mais calmo. Lá, a turma está sempre criando problemas, rebeliões."185

Quando nosso pesquisador perguntou a Josefina S. sobre vários cortes que ela apresentava nos braços, pescoço e face, ela disse que uma outra garota a tinha machucado em uma luta, na semana anterior. "É por isso que vim para cá. Ela fez isto porque ela estava, quer dizer, eu acho que ela estava bebendo e fumando. Ela me cortou, ela queria me matar. Colocaram ela em restrição", ela disse. "Às vezes, acontece isto."186 Pudemos confirmar que realmente uma outra garota tinha sido colocada em restrição disciplinar celular uma semana antes, porém os oficiais com quem conversamos não sabiam as razões de tal punição.

Loide Gomes, assistente social da organização não governamental Centro Marcos Passerini de São Luís, Maranhão, disse-nos que jovens de mais idade sujeitam os recém chegados a violência, como uma forma de trote de iniciantes. "É a cultura da `recepção': quando chegam, eles recebem umas pancadas", disse ela. "Existe um código interno de disciplina ministrado pelos internos de mais idade."187

Gomes também relatou ter ouvido falar de casos de agressão sexual de jovens contra outros jovens. "Já houve casos de violência sexual, dos mais fortes sobre os mais fracos", ela disse. Além disso, segundo ela, os internos mais vulneráveis são obrigados pelos outros a realizar tarefas consideradas como típicas de mulheres. "Geralmente, os mais fracos têm que lavar as roupas dos mais fortes. Por exemplo, alguém com capacidade mental deficiente poderá ser forçado a executar esta tarefa e também estar sujeito à violência sexual."188 No entanto, as autoridades da área de detenção do Maranhão nos disseram que não havia casos de violência sexual entre os jovens. "Não tivemos ainda um caso de um contra outro, pelo menos neste centro de internação", disse José Asenção Fonseca, diretor do Centro de Juventude Esperança.189

No Maranhão, o Centro Marcos Passerini relatou que dois jovens morreram em março de 1998, um devido a queimaduras e outro, devido a ferimentos provocados por faca.190 Quando abordamos estes casos com Dione Pereira, dirigente da Fundação Estadual da Criança e do Adolescente, ela nos disse que era apenas um caso de jovem assassinado por outro detento em 1998. "Foi uma questão de luta entre gangues rivais", disse ela.191 Disse ainda que não houve nenhuma morte em situação de detenção desde o dito caso.

Alguns dirigentes reconhecem que ocorrem atos de violência entre os jovens, porém geralmente descrevem tais atos como infreqüentes. "As lutas não são comuns, mas existem", disse Maria Ribeiro, representante da Fundação da Criança e do Adolescente do Amapá. "Insistimos muito nesta questão do respeito, mas temos lutas aqui dentro."192

Talvez as autoridades de detenção nunca fiquem sabendo sobre a grande maioria dos incidentes de violência entre os jovens. Referindo-se a uma briga da qual tinha participado, Maurício A. disse: "Ninguém viu. Eu não contei a ninguém. Se você falar, é muito pior para você."193

Separação por idade, maturidade física e gravidade do crime
Os incidentes de violência de que ouvimos falar sublinham a importância de separar os jovens por idade, maturidade física, gravidade do crime e outros fatores, conforme exige a legislação brasileira e as normas internacionais.194

A lei brasileira permite que os jovens sejam detidos em centros de internação juvenil até a idade de 21 anos.195 Algumas unidades mantinham os maiores de 18 em alas separadas. Por exemplo, alguns funcionários no Amapá mostraram-nos um bloco separado de celas para detentos adultos em Aninga. Autoridades do Maranhão e Amazonas descreveram arranjos semelhantes. "Existem três blocos de alojamento dos detentos", disse Dione Pereira, referindo-se ao Centro de Juventude Esperança de São Luís. "Um deles é para os detentos de 18 anos ou mais."196

Além disso, os encarregados de Aninga pareciam fazer um esforço para separar as celas de acordo com a idade. Terence M., de 17 anos, nos disse que sempre dividia a cela com algum outro jovem de 16 ou 17 anos.197

Por outro lado, outras unidades não pareciam separar nem os detentos adultos dos menores de idade, nem os jovens de idade maior dos de idade menor. Não vimos nenhuma evidência de separação por idade no Espaço Recomeço do Pará, por exemplo. Em Rondônia, enquanto a Casa do Adolescente abrigava vários detentos mais velhos juntos em um único dormitório, cerca de vinte jovens de todas as idades se amontoavam no segundo dormitório e numa cela de castigo.

183 Entrevista da Human Rights Watch, Macapá, Amapá, 16 de abril de 2002.

184 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

185 Entrevista da Human Rights Watch, Santana, Amapá, 16 de abril de 2002.

186 Entrevista da Human Rights Watch, Santana, Amapá, 16 de abril de 2002.

187 Entrevista da Human Rights Watch com Loide Gomes, 18 de abril de 2002.

188 Ibid. De forma semelhante, a Human Rights Watch constatou que as vítimas da agressão sexual nas prisões dos EUA tendem a ser menores e mais fracas do que os perpetradores de tais abusos, e que prisioneiros doentes mentais ou retardados correm particularmente o risco de sofrer tais abusos. Ver Human Rights Watch, No Escape: Male Rape in U.S. Prisons [Impossível Fugir: Estupro Masculino nas Prisões dos EUA] (New York: Human Rights Watch, 2001), pp. 67-69.

189 Entrevista da Human Rights Watch com José Fonseca, 19 de abril de 2002.

190 Entrevista da Human Rights Watch com Loide Gomes, 18 de abril de 2002; mensagem de correio eletrônico de Francisco Lemos, 4 de novembro de 2002.

191 Entrevista da Human Rights Watch com Dione Pereira, 19 de abril de 2002.

192 Entrevista da Human Rights Watch com Maria Ribeiro, 16 de abril de 2002.

193 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação de Adolescentes Masculino, Ananideua, Pará, 9 de abril de 2002.

194 Ver Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 123; Regras Mínimas de Tratamento dos Prisioneiros, art. 8. Regra 27.1 dàs Regras de Beijing anota, "As Regras Mínimas de Tratamento de Prisioneiros e recomendações afins aplicar-se-ão na medida em que forem relevantes ao tratamento de criminosos juvenis em instituições, inclusive os que se encontrem em detenção esperando sentença."

195 Ver Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 121, sec. 5.

196 Entrevista da Human Rights Watch com Dione Pereira, 18 de abril de 2002.

197 Entrevista da Human Rights Watch, Macapá, Amapá, 15 de abril de 2002.


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I. RESUMO

II. RECOMENDAÇÕES

III. UMA VISÃO GERAL DA DETENÇÃO JUVENIL NO NORTE DO BRASIL

IV. MAUS TRATOS PELA POLÍCIA MILITAR E GUARDAS CIVIS

V. USO EXCESSIVO DA CONTENÇÃO

VI. VIOLÊNCIA ENTRE JOVENS

VII. CONDIÇÕES DE VIDA

VIII. EDUCAÇÃO

IX. SERVIÇOS MÉDICOS E DE SAÚDE MENTAL

AGRADECIMENTOS

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