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Confinamento Cruel: Abusos contra crianças detidas no norte do Brasil

VII. CONDIÇÕES DE VIDA

O ócio é um problema grave em muitos dos centros de internação que visitamos, particularmente no Centro de Internação Espaço Recomeço do Pará, no centro de internação Aninga do Amapá, no centro de internação Raimundo Parente do Amazonas, e no centro de internação masculino de Rondônia. Os rapazes em todas estas unidades nos disseram que passam uma parte significativa de seu tempo trancados em suas celas, sem nada para fazer. As meninas passam mais tempo fora das celas, porém nenhum dos centros de internação femininos oferecia oportunidades para a prática de esportes, a forma principal de exercitar os músculos maiores dos jovens detentos.

Os jovens dos centros de internação que visitamos relataram que, geralmente, podiam receber visitas durante duas horas ou mais a cada semana. Vários centros de internação do Pará restringem ou proíbem visitas a categorias particulares de jovens tais como os jovens que encontram-se em restrição celular no centro Espaço Recomeço, e os detentos pré-julgamento no centro de internação feminino. Mas as unidades do estado do Amapá adotavam, ao contrário, políticas bastante generosas quanto a visitas, permitindo que familiares visitassem durante toda a semana.

A maioria dos jovens relataram ter recebido roupa de cama e colchões ou redes ao chegarem. Mas no Centro de Internação Espaço Recomeço do Pará e no centro de internação masculino da Rondônia, alguns jovens nos disseram que tinham dormido no chão em algum momento durante sua detenção. Além disso, jovens do centro Espaço Recomeço relataram frequentemente problemas de higiene e acesso à água.

As moças são alojadas em centros que servem tanto detentas esperando julgamento como as já sentenciadas. Às vezes, ambos os tipos de detentas são colocadas nos mesmos dormitórios ou celas. As meninas geralmente não dispõem de oportunidades de recreação comparáveis às dos rapazes; por exemplo, no Pará e Rondônia, as meninas não tinham acesso às instalações esportivas e pareciam passar a maior parte de seu tempo de recreação costurando, em outras atividades manuais, ou dormindo. Vários dos centros de internação femininos, particularmente o centro Marise Mendes do Amazonas, eram evidentemente mais antigos e em piores condições físicas do que a maioria dos centros de internação masculinos que visitamos.

Recreação, exercícios e ócio
As normas internacionais requerem que toda criança em detenção tenha "tempo suficiente para exercitar-se diariamente de forma livre, sobretudo ao ar livre, se o tempo permitir" e "tempo adicional para atividades diárias de lazer".198 De acordo com tais normas, o Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil garante aos jovens detentos o direito a atividades culturais, esportes e recreação.199 Mas na prática, o acesso dos jovens a atividades recreativas e de exercício físico varia de um centro a outro. Os rapazes do centro Espaço Recomeço do Pará, o centro de internação Aninga do Amapá, o centro de internação Raimundo Parente do Amazonas, e a Casa do Adolescente da Rondônia informaram-nos que passam parte significativa do dia trancados em suas celas, sem nada para fazer. Além disso, as moças muitas vezes não têm a oportunidade de praticar esportes, a forma principal de exercitar os músculos maiores de jovens detentos.200

Os jovens do Espaço Recomeço descreveram um sistema de alternância entre os períodos de recreação da manhã e da tarde. Lucas G. disse-nos que os guardas tiram-no da cela às 8:00 horas para passar quatro horas e depois por três horas a partir das 15:00 horas do próximo dia. Durante outros períodos do dia, "não fazemos nada", ele nos disse.201 Tobias V., outro detento do centro Espaço Recomeço declarou: "Temos quatro horas e meia de manhã um dia e três horas na tarde do próximo. Depois de algum tempo, se tiver bom comportamento, você pode conseguir mais tempo de [recreação]. Duas vezes por semana, à noite, algumas crianças dispõem de recreação. Quer dizer, algumas crianças, não todas".202 Ao contrastar as condições do centro de internação pré-julgamento do Pará com as do Centro de Internação Espaço Recomeço, Henrique O. nos disse que o centro de internação pré-julgamento "lhe dá mais atenção do que o EREC [centro Espaço Recomeço]. Você é recolhido à sua cela às 22:00 para dormir. Às 8:00, você sai da cela. . . . No EREC, você passa o tempo todo na cela."203

Os detentos do centro de internação do Amapá também relataram passar partes significativas de seu dia trancados nas celas. "Em Aninga, depois do almoço, em torno do meio-dia, passamos duas horas trancados em nossos quartos. Saimos de novo de 14:00 às 18:00. Às 18:00, voltamos de novo aos nossos quartos até as 7:30", Terence M. nos disse.204

A unidade de semiliberdade do Amapá era muito menos restritiva, relatou Terence M. "É melhor aqui", ele disse. "Não há grades. Podemos passar fins-de-semana com nossas famílias. Estudamos e trabalhamos também. Podemos fazer um curso [técnico]. Só às 10 da noite é que nos colocam nos quartos para dormir."205

"Toda tarde, eles jogam bola aqui", afirmou um dirigente da Casa do Adolescente, o centro de internação masculino de Rondônia, apontando um campo de saibro cheio de materiais de construção. "Todo dia", repetiu, para dizer que as crianças da unidade passam duas horas por dia fora de suas celas.206 Mas os jovens que entrevistamos nos disseram que tinham poucas oportunidades de recreação. Ao contrário, a maioria relatou ficar confinada à sua cela por longos períodos de tempo. Por exemplo, João L., de 17 anos, disse-nos que tinha ficado trancado em sua cela por pelo menos 20 dias sem sair. Carlos M., 17 anos, relatou ter entrado no centro 10 dias antes de nossa entrevista, passando a maior parte do tempo na cela. "Só de vez em quando saimos. Hoje jogamos futebol", disse.207

A maioria das unidades masculinas tinha espaços abertos onde os jovens podiam jogar futebol e praticar outros esportes, quando recebiam permissão para sair. "Praticamos esportes, voleibol, às vezes", disse Lucas G., detido no centro Espaço Recomeço. "Tínhamos pingue-pongue também, mas a mesa quebrou".208

A seu critério, os encarregados dos centros podem permitir atividades fora do centro de internação, exceto se um juiz determinar de outra forma em casos particulares.209 Isto poderia compensar pela falta de instalações externas de recreação em vários dos centros de internação que visitamos. Por exemplo, a unidade de detenção pré-julgamento masculina do Pará não dispõe de espaços abertos para recreação, porém está localizada próxima a um parque que pode ser usado para este fim, desde que haja pessoal encarregado e polícia militar em número suficiente para proteger a área enquanto os jovens detentos a utilizam. Mas Edison L. nos disse que as crianças do centro de internação não tinham ido ao parque durante os 15 dias em que ele estava no centro. "Nunca ouvi ninguém dizer que o pessoal é levado ao parque, às vezes", ele disse.210 "Não, não estivemos ainda fora do centro", disse Maurício A., que já estava há 26 dias no centro de internação pré-julgamento quando fizemos a entrevista.211

Algumas unidades oferecem aos jovens uma ampla gama de atividades adicionais. A mais popular é a capoeira, espécie de artes marciais com raízes na dança africana. Os jovens do centro de internação Dagmar Feitoza, unidade do Amazonas para garotos mais velhos, demonstraram uma atitude particularmente positiva sobre a variedade de atividades de recreação e educacionais ali oferecidas. Comparando esta unidade com o centro de internação Raimundo Parente, a unidade estadual para garotos mais jovens, Gilberto S., de 16 anos, nos disse que o centro para garotos mais velhos era muito melhor. "É muito diferente de lá [Raimundo Parente]. Aqui podemos estudar e trabalhar e temos atividades como a capoeira. Lá eles não têm muito, somente uma área para jogar futebol. Eles não tem aulas. Eu não estudei lá. Aqui eu estudo."212

Contato com o mundo externo
A lei brasileira garante às crianças em detenção o direito de receber visitas semanais. Este direito somente pode ser suspenso por um juiz e, mesmo assim, somente temporariamente, quando existem "motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente".213 Estas disposições coadunam-se com as normas internacionais, que recomendam aos estados garantir "o direito das crianças a receber visitas regulares e freqüentes, em princípio uma vez por semana e nunca menos do que uma vez por mês, em circunstâncias que respeitem a necessidade dos jovens de privacidade, contato e comunicação sem restrições com familiares e com o advogado de defesa".214 Em geral, os jovens relataram que podiam receber visitas de até duas horas a cada semana e, em alguns casos, por mais tempo; eles não viam muitos problemas com a situação das visitas. Mas em vários centros do Pará ouvimos dizer que certas categorias de jovens - os que estão em restrição celular no centro Espaço Recomeço e os detentos pré-julgamento do centro de internação feminino - têm visitas limitadas ou nenhuma visita. Para a maioria dos outros, a única reclamação era a falta de visitas conjugais. Estas visitas são freqüentemente permitidas para adultos - pelo menos para os homens - mas não para os jovens, mesmo se estes forem casados.

Em um relato típico, Henrique O. nos disse que no Centro de Internação Espaço Recomeço, "as visitas são recebidas aos domingos de nove ao meio-dia. Tive visitas do meu pai, mãe, avó, tia, de vários parentes. Não houve nenhum problema".215 De forma semelhante, os jovens do Centro Juvenil Masculino do Pará relataram que podiam receber visitas durante duas horas aos domingos.216 Edison L., de 15 anos, do centro de internação pré-julgamento do Pará, disse: "Recebemos visitas durante duas horas aos domingos. Já tive visitas duas vezes. Recebi visitas que duraram as duas horas completas".217

Ouvimos relatos de que os jovens colocados em restrição celular no Centro de Internação Espaço Recomeço têm visitação limitada. Vários dos que entrevistamos nos disseram que as visitas eram mais curtas para os jovens em contenção. Alguns disseram que os jovens em restrição celular não recebiam nenhuma visita. "Na contenção, não. Ali você não recebe visita", disse Henrique O.218

Também ouvimos dizer que as autoridades do centro Espaço Recomeço restringiram as visitas depois de distúrbios ocorridos no início de 2002. "No EREC, as visitas funcionavam muito bem até a rebelião", disse Flávio M., referindo-se ao primeiro de dois incidentes semelhantes que ocorreram durante os primeiros quatro meses do ano. "Depois disso, as visitas passaram a ser de apenas 15 minutos."219

Também ouvimos de garotas detidas no Pará que as detentas pré-julgamento não podem receber visitas. "As detentas pré-julgamento (provisórias) não recebem visitas. As visitas são somente para as já sentenciadas. Só pode fazer chamada telefônica. Mas a duração depende. Talvez quinze minutos", relatou Inês F.220

As unidades do estado do Amapá tinham regras de visitação particularmente suaves. Eddy A. nos disse que podia receber visitas por duas horas; sua mãe o visitava nas quintas e sua mulher e filha, nas sextas.221 Terence M., rapaz de 18 anos que passou dez meses no centro de internação Aninga quando tinha 17 anos, nos disse que ele podia receber visitas todo domingo por até três horas.222 Na unidade semiliberdade do Amapá, além da possibilidade de passar os fins-de-semana com familiares, os jovens podem receber visitas "a qualquer momento que quiserem, exceto à noite", de acordo com Jacó G, de 15 anos.223

Em dois dos centros que visitamos, permitia-se periodicamente aos jovens que passassem a noite com suas famílias. Os jovens da unidade de semiliberdade do Amapá podiam passar fins-de-semana com familiares, Jacó G. nos disse.224 O mesmo acontecia com muitos dos jovens do Centro Socioeducativo Masculino, no estado do Pará, que podiam ficar com suas famílias de 15 em 15 dias, no fim-de-semana. Henrique B. nos disse que ele já tinha voltado à sua casa 10 vezes até o momento de nossa entrevista em abril de 2002.225

Para muitos jovens, o maior obstáculo às visitas é a distância. "Já tive visitas de minhas tias. Elas vêm nos domingos, do interior. É um pouco longe", disse Iolanda D., detida no centro de internação feminino do Pará.226 Lucas G., do centro Espaço Recomeço do Pará, nos disse, "Minha família pode vir nas sextas. Eles acabaram de descobrir que eu estou aqui. Virão me visitar." Ele disse que sua família tem que viajar duas horas de sua casa até aqui, para visitá-lo.227

Os jovens de unidades que lhes permitiam passar os fins-de-semana com a família também disseram que o custo da viagem às vezes impede-os de voltar à casa. "É difícil, por causa do dinheiro", disse Jacó G. ao relatar que custa 20 reais viajar de ida e volta à casa de seus pais. Ele tenta ir todo fim-de-semana, mas nem sempre pode.228

Muitos rapazes reclamaram da falta de visitas conjugais e o assunto provocou muito debate entre os diretores de centros de internação. Conhecidas também como "visitas íntimas", as visitas conjugais são permitidas em prisões de homens adultos no Brasil e em outras partes da América Latina,229 mas não são atualmente permitidas em nenhum centro de internação juvenil que visitamos. José Asenção Fonseca nos disse que as autoridades do Maranhão estavam discutindo a possibilidade de permitir visitas conjugais aos jovens em detenção. Falando de rapazes em detenção, ele disse: "Cinqüenta por cento têm filhos. Dez por cento dos adolescentes são casados. Todos têm namoradas."230

No Amazonas, ficamos sabendo que os centros de internação juvenil costumavam permitir que os rapazes que tinham relacionamentos de longo prazo (mas não os que tinham relacionamento com pessoas do mesmo sexo) recebessem visitas conjugais mensais. "Verificávamos se o adolescente tinha uma companheira ou namorada fixa", disse Paulo Sampaio. As visitas conjugais foram canceladas depois que as autoridades concluíram que causavam problemas com os outros jovens.231

A falta de visitas conjugais para estes jovens pode também refletir a relutância da sociedade em reconhecer a sexualidade dos jovens. "O direito à sexualidade não é visto pelo sistema", disse Francisco Lemos. "Existe um tabu muito forte sobre este assunto."232 Loide Gomes acrescentou: "As pessoas não estão preparadas para a sexualidade destas crianças."233

Roupa de cama
Em geral, os jovens disseram que recebiam roupa de cama e colchões ou redes depois de chegarem. As únicas exceções de que ouvimos falar foram no Centro de Internação Espaço Recomeço do Pará e na Casa do Adolescente, o centro de internação masculino de Rondônia. Os jovens de ambas estas unidades nos disseram que eles dormiam no chão. Observamos que as celas da Casa do Adolescente tinham um número muito menor de colchões e redes do que o número de jovens aí colocados.

No centro Espaço Recomeço, os jovens relataram que ficavam sem colchão durante alguns períodos mais curtos, geralmente logo depois da chegada ou transferência a uma outra cela. Por exemplo, Lucas G. relatou que não tinha colchão logo que chegou no Espaço Recomeço em março de 2002. Deram-lhe um depois de alguns dias, mas segundo ele, foi destruído no incêndio provocado durante a rebelião de abril.234

Na Casa do Adolescente, ao contrário, não vimos nenhuma indicação de que os que não tinham colchões ou redes iriam recebê-los algum dia.

As Regras da ONU para a Proteção de Jovens recomendam: "Todo jovem deve receber, em atendimento às normas locais e nacionais, roupa de cama separada e suficiente, a qual deve estar limpa quando entregue, mantida em bom estado e mudada com freqüência suficiente para garantir as condições de higiene."235

Higiene e acesso a água
Os jovens do Espaço Recomeço relatam, com muita freqüência, a existência de problemas de higiene e acesso a água. Em outras partes, ouvimos menos reclamações.

No centro Espaço Recomeço, como na maioria dos centros de internação, os jovens são responsáveis por lavar sua própria roupa. Observamos jovens em outros centros lavando sua roupa em tanques ou banheiras localizadas próximo à sua área de alojamento. Mas no centro Espaço Recomeço, vários jovens nos disseram que não tinham tempo suficiente fora de suas celas para lavar a roupa. Romão S. contou que lavava suas roupas e lençóis no banheiro quando estava no Espaço Recomeço.236

As celas de muitos centros de internação que visitamos, inclusive o centro Espaço Recomeço, não têm pias ou torneiras de fornecimento de água potável. Por isso, os jovens têm que pedir água aos guardas quando estão com sede. Sobretudo os jovens do Espaço Recomeço relataram que, muitas vezes, os guardas não os atendiam. "Aqui os guardas nos trazem água", disse Flávio M., 17 anos, no Centro Juvenil Masculino de Belém. "Mas lá [no Centro de Internação Espaço Recomeço] eles são muito descansados. Mesmo quando faz muito calor, eles são super lentos. Você tem que pedir muitas vezes ao guarda."237 "À noite era difícil", disse Romão S. da época em que passou no centro Espaço Recomeço. "Depois do café da manhã eles te dão água e também depois do almoço. No jantar, eles trazem uma caneca de água. Mas à noite, mesmo que você chame, eles não vêm. . . . À noite, as coisas ficam muito difíceis."238

As normas internacionais recomendam que "deve haver água potável limpa disponível a todo jovem, todo o tempo".239 Em termos mais gerais, as crianças privadas de liberdade "têm o direito de contar com instalações e serviços que atendam aos requisitos de saúde e dignidade humana."240

Meninas detidas
Existem muito menos moças do que rapazes detidos. À época de nossas visitas aos centros de internação em abril de 2002, havia somente 6 meninas detidas no Amapá, 24 no Amazonas, 3 numa das duas instalações para meninas em Maranhão, 8 no Pará, e 4 em Rondônia.241 Do número total de jovens em detenção em cada unidade no dia de nossa visita, menos de 12% eram meninas. (Dos 44 jovens que entrevistamos, 8 eram meninas.) Apesar destes dados não serem necessariamente representativos - baseiam-se em observações de um dia ao invés de médias de observações mensais ou anuais - eles concordam com as estimativas das próprias meninas entrevistadas sobre o número de jovens em seus centros durante o tempo em que ali estiveram detidas. Por exemplo, Patrícia D. nos disse que foi colocada com duas a quatro outras meninas durante o tempo que passou em Aninga, o centro de internação do Amapá.242 Com base nestes dados, o quociente de meninas para meninos na detenção juvenil é maior do que o de mulheres para homens no sistema penitenciário adulto do Brasil e outros países da região;243 mesmo assim, o número de meninas detidas é muito menor do que o de meninos.

Como resultado destes números mais baixos, existe um número menor de centros de internação femininos. Amazonas, Pará e Rondônia têm, cada um, apenas um centro de internação feminino. O Maranhão tem dois. O Amapá coloca as meninas numa ala separada de Aninga, seu único centro de internação juvenil. Em todas estas unidades, as meninas que esperam julgamento são abrigadas junto às que já foram sentenciadas à prisão. Os centros podem também receber garotas que foram colocadas sob a medida menos restritiva de semiliberdade.

No centro de internação Aninga do Amapá, que mantinha meninos e meninas em áreas separadas do centro, as meninas nos disseram que o tempo que podiam ficar nas áreas de recreação era menor do que o permitido aos meninos, provavelmente como resultado da necessidade de manter separados meninos e meninas. "Reclamamos muito da falta de espaço", disse Patrícia D.. "Nosso período para tomar sol era de apenas duas horas, o resto do tempo estávamos trancadas. Esta era a diferença. A maioria era de rapazes. Eles recebiam maior atenção e tinham mais liberdade."244

Patrícia D. nos disse que as meninas do centro de internação Aninga sentiam-se negligenciadas de outras formas como resultado de sua colocação no mesmo centro que os meninos. "Havia um grupo pequeno de psicólogos para todos nós, e eles se esqueciam um pouco das meninas. Deveria haver um psicólogo para trabalhar somente com as garotas", disse Patrícia D. Mas no final, ela concluiu que o estado deveria ter "um espaço separado só para as mulheres".245

Mesmo no Amazonas, Pará e Rondônia, que tinham, cada um, um centro de internação feminino separado, ouvimos as garotas dizerem que tinham menos oportunidades de recreação e exercício fora do prédio. Nenhum destes centros de internação tinha os espaços abertos que eram comuns nas unidades masculinas que visitamos. No Pará, onde a unidade feminina e vários outros centros de internação estão próximos a um parque público, os jovens nos disseram que nunca tinham tido permissão para usá-lo. Referindo-se ao parque, Iolanda D. disse: "Somente quem está no regime de semiliberdade pode ir ao complexo. Temos artes todo dia. Fora isto, passamos o tempo todo sem fazer nada. Elas não fazem nada fora do centro."246

De modo geral, as disparidades ultrapassam a falta de oportunidades comparáveis de recreação. Várias unidades de detenção femininas são geralmente mais velhas e estragadas do que a maioria dos centros de internação masculinos que vimos. No Amazonas, o centro de internação feminino tem somente dois dormitórios para abrigar até duas dezenas de meninas. Como resultado, relatou o pessoal encarregado do centro de internação, as disputas são freqüentes entre as meninas. O pessoal também nos disse que a falta de alternativas significa que eles freqüentemente têm que colocar jovens nas celas de castigo quando elas não se dão bem com as outras nos dormitórios.247

Não visitamos nenhuma das duas unidades de detenção femininas do Maranhão. De acordo com Francisco Lemos, advogado da organização não governamental Centro Marcos Passerini, "a situação para as meninas é muito melhor" do que para os meninos, neste estado. Ele nos informou: "O centro de internação feminino [em São Luís] não tem celas, mas sim quartos. É uma casa, com sala de estar, televisão e cozinha, como uma residência."248

As crianças privadas de liberdade, tanto meninos como meninas, têm o direito de "ser tratadas com humanidade e respeito pela dignidade inerente da pessoa humana, e de forma a levar em consideração as necessidades de uma pessoa desta idade".249 As Regras da ONU para a Proteção de Jovens oferecem uma orientação relevante para a interpretação do conteúdo desta disposição. Em particular, as regras enfatizam a necessidade das crianças por "estímulos sensoriais, oportunidades de associação com pessoas de sua idade e tipo, e participação em esportes, exercícios físicos e atividades de lazer".250

Quando o estado coloca adolescentes em instalações de qualidade nitidamente inferior à dos seus centros de internação masculinos e oferece a elas um número menor de oportunidades de exercício e recreação do que aos rapazes, o estado estará discriminando em termos de gênero, em violação à legislação internacional. Nos termos da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, ratificada pelo Brasil em 1984, é proibida "qualquer distinção, exclusão ou restrição feita com base no sexo, que tenha o efeito ou fim de prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pelas mulheres . . . segundo os termos básicos da igualdade entre homens e mulheres, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro".251 De forma semelhante, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção sobre os Direitos da Criança proíbem a discriminação com base no gênero.252

198 Regras Mínimas da ONU para a Proteção dos Jovens, art. 47.

199 Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 124(XII).

200 Para ver uma discussão mais completa sobre a falta de oportunidades de recreação para meninas, ver "Meninas em Detenção" mais abaixo.

201 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

202 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

203 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

204 Entrevista da Human Rights Watch, Macapá, Amapá, 15 de abril de 2002.

205 Entrevista da Human Rights Watch, Macapá, Amapá, 15 de abril de 2002.

206 Entrevista da Human Rights Watch com "Antônio," funcionário da Casa do Adolescente, Porto Velho, Rondônia, 24 de abril de 2002. Este oficial prisional recusou-se a dar seu nome completo, dizendo que era "só Antônio."

207 Entrevista da Human Rights Watch, Casa do Adolescente, Porto Velho, Rondônia, 24 de abril de 2002.

208 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

209 "Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário." Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 1, para. 1.

210 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação de Adolescentes Masculino, Ananideua, Pará, 9 de abril de 2002.

211 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação de Adolescentes Masculino, Ananideua, Pará, 9 de abril de 2002.

212 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Assistente Social Dagmar Feitoza, Manaus, Amazonas, 22 de abril de 2002.

213 Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 124, para. 2. O direito a receber visitas pelo menos semanalmente é garantido pelo artigo 124(VII) do estatuto. As crianças também têm o direito de se corresponder com familiares e amigos. Ibid., art. 124(VIII).

214 Regras de Beijing, art. 60.

215 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

216 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Juvenil Masculino, Ananideua, Pará, 10 de abril de 2002.

217 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação de Adolescentes Masculino, Ananideua, Pará, 9 de abril de 2002.

218 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

219 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Juvenil Masculino, Ananideua, Pará, 10 de abril de 2002.

220 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação de Adolescentes Feminino, Ananideua, Pará, 11 de abril de 2002.

221 Entrevista da Human Rights Watch, Macapá, Amapá, 16 de abril de 2002.

222 Entrevista da Human Rights Watch, Macapá, Amapá, 15 de abril de 2002.

223 Entrevista da Human Rights Watch, Macapá, Amapá, 15 de abril de 2002.

224 Ibid.

225 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

226 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação de Adolescentes Feminino, Ananideua, Pará, 11 de abril de 2002.

227 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

228 Entrevista da Human Rights Watch, Macapá, Amapá, 15 de abril de 2002.

229 Ver Human Rights Watch, O Brasil atrás das grades, pp. 116-18; Human Rights Watch/Américas, Pinishment Before TrialÇ Prison Conditions in Venezuela [Punição Antes do Julgamento: Condições das Prisões na Venezuela] (New York: Human Rights Watch, 1997), p. 82. Já as mulheres adultas, ao contrário, são frequentemente negadas tais visitas. Ver O Brasil atrás das grades, pp. 137-39; Punishment Before Trial, pp. 100-102.

230 Entrevista da Human Rights Watch com José Fonseca, 19 de abril de 2002.

231 Entrevista da Human Rights Watch com Paulo Sampaio, 22 de abril de 2002.

232 Entrevista da Human Rights Watch com Francisco Lemos, 18 de abril de 2002.

233 Entrevista da Human Rights Watch com Loide Gomes, 18 de abril de 2002.

234 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

235 Regras da ONU para a Proteção de Jovens, art. 33.

236 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Juvenil Masculino, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

237 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Juvenil Masculino, Ananideua, Pará, 10 de abril de 2002.

238 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Juvenil Masculino, Ananideua, Pará, 10 de abril de 2002.

239 Regras da ONU para a Proteção de Jovens, art. 37.

240 Ibid., art. 31.

241 Entrevista da Human Rights Watch com Raimundo Monteiro, 8 de abril de 2002; pessoal do Centro de Internação de Adolescentes Masculino, Ananideua, Pará, 9 de abril de 2002; pessoal do Centro Juvenil Masculino, Ananideua, Pará, 10 de abril de 2002; pessoal do Centro de Internação de Adolescentes Feminino, Ananideua, Pará, 11 de abril de 2002; Angela Pompeu, 12 de abril de 2002; Maria Ribeiro, 15 de abril de 2002; Dione Pereiral, 19 de abril de 2002; Paulo Sampaio, 22 de abril de 2002; pessoal da Casa do Adolescente, Porto Velho, Rondônia, 24 de abril de 2002; pessoal da Casa da Adolescente, Porto Velho, Rondônia, 25 de abril de 2002.

242 Entrevista da Human Rights Watch, Santana, Amapá, 16 de abril de 2002.

243 Ver Human Rights Watch, O Brasil atrás das grades, p. 128.

244 Entrevista da Human Rights Watch, Santana, Amapá, 16 de abril de 2002.

245 Entrevista da Human Rights Watch, Santana, Amapá, 16 de abril de 2002.

246 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação de Adolescentes Feminino, Ananideua, Pará, 11 de abril de 2002.

247 Human Rights interview, Manaus, Amazonas, 22 de abril de 2002.

248 Entrevista da Human Rights Watch com Francisco Lemos, 18 de abril de 2002.

249 Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 37(c).

250 Regras da ONU para a Proteção de Jovens, art. 32.

251 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra Mulheres, adotada em 18 de dezembro de 1979, 1249 U.N.T.S. 13 (entrada em vigor em 3 de setembro de 1981, e ratificada pelo Brasil em 1 de fevereiro de 1984), art. 1.

252 Ver Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 26; Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 2.


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I. RESUMO

II. RECOMENDAÇÕES

III. UMA VISÃO GERAL DA DETENÇÃO JUVENIL NO NORTE DO BRASIL

IV. MAUS TRATOS PELA POLÍCIA MILITAR E GUARDAS CIVIS

V. USO EXCESSIVO DA CONTENÇÃO

VI. VIOLÊNCIA ENTRE JOVENS

VII. CONDIÇÕES DE VIDA

VIII. EDUCAÇÃO

IX. SERVIÇOS MÉDICOS E DE SAÚDE MENTAL

AGRADECIMENTOS

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