Home Publicações Sobre HRW
Brasil

Confinamento Cruel: Abusos contra crianças detidas no norte do Brasil

IV. MAUS TRATOS PELA POLÍCIA MILITAR E GUARDAS CIVIS

Depois que as crianças são transferidas a centros de internação, elas têm freqüentemente que enfrentar a violência nas mãos da polícia militar do estado, padrão este semelhante ao que constatamos quando investigamos as prisões de adultos no Brasil.54 Apesar de menos comuns, os guardas civis também são responsáveis por agressões a jovens internados, possibilidade esta que a maioria das autoridades de internação descartaram prontamente. Autoridades em Manaus, capital do estado do Amazonas, foram as únicas a abordar o problema de abusos perpetrados pelos guardas e a discuti-lo francamente com a Human Rights Watch. "Não posso esconder este fato", disse Paulo Sampaio, diretor da Secretaria do Amazonas para a Criança e Adolescente, "porque se o fizer, estarei perpetuando-o."55

A polícia militar estadual - que, apesar do nome, está sujeita ao controle civil - garante a segurança externa dos centros de internação, sufoca rebeliões e outros distúrbios, responde a tentativas de fuga e faz vistorias de rotina das celas. As crianças que se queixaram de espancamentos disseram que muitas vezes a polícia militar as havia espancado com cassetetes, que são porretes de borracha com núcleo de metal.

Ficamos alarmados particularmente com as ações da polícia militar para conter um distúrbio ocorrido em 5 e 6 de abril de 2002, no Centro de Internação Espaço Recomeço do Pará. Um jovem que teve queimaduras, bolhas, machucados e cortes no rosto, pescoço, abdômen, braços e pernas nos disse que a polícia militar apontou os cilindros de gás lacrimogêneo diretamente sobre ele. Observamos também outros jovens com ataduras em várias partes do corpo onde haviam sido feridos por balas de borracha. Também ouvimos jovens relatarem que haviam sido espancados por policiais com porretes de borracha e galhos de árvores.

Seja nas mãos da polícia militar ou guardas civis, tais agressões persistem em parte devido à falta de mecanismos eficazes de apresentação de queixas e a correspondente não responsabilização dos que os cometem. A maioria dos centros de internação não investigam as reclamações de abusos; de fato, a maioria dos centros não dispunha de um mecanismo significativo de apresentação de queixas.

O papel da polícia militar estadual
Nos cinco estados que visitamos, os guardas civis encarregam-se dos centros de internação juvenil, e a polícia civil encarrega-se dos xadrezes da polícia. Mas os jovens não estão totalmente fora das mãos da polícia depois de transferidos para os centros de internação juvenil. A polícia militar estadual - que, apesar do nome, está sujeita ao controle civil - tem um papel nos centros de internação juvenil. A principal responsabilidade da polícia militar é garantir a segurança externa, havendo sempre pelo menos um policial de plantão do lado de fora de todo e qualquer centro de internação. Eles são normalmente chamados para sufocar rebeliões, responder a tentativas de fuga e lidar com outros tipos de distúrbios, além de serem responsáveis por realizar vistorias em muitas instituições.

A maioria dos jovens internados só tem contato com a polícia militar durante as inspeções de rotina que são realizadas em áreas de habitação e quando passam por revistas pessoais ao entrar e sair da instalação de internação. "Existem revistas mais simples todos os dias às 7 ou 8 horas", disse Lincoln E., internado no centro de internação Aninga, no estado do Amapá. Ele nos disse ainda que são feitas revistas mais completas duas a três vezes ao mês. Referindo-se à polícia militar, disse: "Antes ficavam furiosos conosco, agora não ficam mais. Eles agora conversam conosco."56

Alguns jovens acusaram a polícia militar de deliberadamente danificar os bens pessoais dos jovens durante essas revistas. "Quando reclamávamos, eles diziam que era mentira. Ficávamos com medo", Patrícia D. disse referindo-se à polícia militar. "Eu ficava com muita raiva das buscas e revistas. Eles jogavam as coisas no chão, quebravam tudo, entornavam nosso xampu."57

Outros disseram que alguns policiais militar cometiam agressões físicas. "Eles usam porretes de borracha", disse Terence M., que passou dez meses no centro de internação Aninga. "Quando apareciam para as revistas, também nos batiam."58 "A polícia me bateu uma vez, assim", disse Patrícia D., demonstrando um golpe com a palma da mão aberta sobre a parte de trás do pescoço. "Foi a única vez que me bateram. Eu vi os policiais baterem em muitos garotos quando entravam em suas celas. Era a polícia que nos espancava e não os guardas."59 "Às vezes eles cometem abusos. Não é freqüente", disse Lucas G. "Foram poucas vezes. Eles nos batiam às vezes com os porretes."60

A reação da polícia militar aos distúrbios no Espaço Recomeço
Em 5 e 6 de abril de 2002, o fim-de-semana anterior à visita da Human Rights Watch e Cedeca-Emaús ao Centro de Internação Espaço Recomeço do Pará, um grupo pequeno de jovens - as estimativas oficiais mencionam de quatro a nove jovens - colocaram fogo em seus colchões e tentaram escapar. Os distúrbios ficaram restritos a uma ala que alojava 19 jovens.61

Visitamos o centro duas vezes durante a semana de 8 de abril. Durante estas visitas, pudemos inspecionar as instalações, conversar a sós com os jovens que participaram ou testemunharam os distúrbios e entrevistar muitos membros do pessoal.

"Eram quatro rapazes no início, que começaram a quebrar as coisas e danificar a propriedade", explicou o psicólogo do centro de internação, dizendo que um guarda tinha passado ilicitamente aos rapazes uma barra de metal que eles usaram para abrir um buraco na parede.62 Um jovem que entrevistamos confirmou este relato de como começou o distúrbio. "A rebelião aconteceu numa sexta-feira [5 de abril], em torno das 18:00 horas. Alguns dos rapazes colocaram fogo em seus colchões", disse Hamilton A., um rapaz de 17 anos que estava lotado na ala C, onde ocorreu a rebelião.63

No início, a direção do centro de internação minimizou a importância do evento e a reação oficial. "Tínhamos uma situação difícil nas mãos", disse-nos inicialmente Raimundo Monteiro, gerente do centro. "Foi na sexta-feira, depois de sairmos. . . . A polícia chegou e tivemos uma conversa com os adolescentes."64 Quando perguntamos a ele qual tinha sido o papel da polícia militar, ele nos disse: "Passamos quatro ou cinco horas em negociações e, finalmente, chamamos as tropas de choque."65 Quando pressionamos para obter mais detalhes, ele nos encaminhou a outros membros do pessoal que nos disseram que tentaram negociar com os jovens envolvidos na rebelião antes de pedir à polícia militar que sufocasse o distúrbio. "Nem o especialista em negociações da polícia militar conseguiu encerrar a rebelião", declarou o psicólogo. "Passaram quatro ou cinco horas em negociações."66 Os jovens com quem falamos confirmaram que houve um longo período de negociação antes das tropas de choque entrarem no centro de internação. "Eles tentaram negociar durante oito horas", contou-nos Hamilton A. "Aí as tropas de choque entraram."67

"Foi a polícia militar que tomou a decisão de entrar", o psicólogo nos disse. "Sentimo-nos ameaçados e chamamos a polícia militar. . . . Eles tiveram que assumir o controle da situação."68 A polícia militar entrou no centro de internação na madrugada de 6 de abril. "As tropas de choque entraram atirando", disse André G., que estava lotado em uma outra ala do centro, de onde podia observar os distúrbios.69 "Atiraram com balas de borracha. Alguns garotos foram atingidos no braço. Estavam todos na ala C, onde ocorreu a rebelião", disse Lucas G., lotado na ala C.70 "As tropas de choque dispararam balas de borracha e alguns rapazes foram feridos gravemente", disse Tobias V.71

Quando lhe pedimos que descrevesse o tratamento da polícia militar durante o distúrbio, Júnior A., do anexo do Centro de Internação Espaço Recomeço, respondeu: "Cruel, cruel". Ele nos mostrou marcas nas costas que, segundo ele, tinham sido causadas pelos espancamentos da polícia militar.72 Damião P. contou-nos que a polícia militar atirou em sua direção quando entraram no centro de internação. "Saí correndo", ele disse. Quando lhe perguntamos por quê, respondeu: "Para não levar tiro". Disse ter fugido pela abertura feita na parede do centro de internação, mas foi preso no mesmo dia e colocado no anexo. Um policial militar espancou-o com um galho de árvore antes de levá-lo de volta ao centro, disse ele ao mostrar-nos longas cicatrizes nas suas costas. "Eles nos bateram. A polícia bateu em nós", repetiu.73 "Usaram gás e atiraram em mim", disse Hamilton A., que tinha queimaduras, bolhas, machucados e cortes em sua face, pescoço, abdômen, braços e pernas. "Eles têm um tipo de bomba que explode", ele explicou, apontando para seu braço. "Me atingiram aqui com algo que bate e explode." Depois de dominado, a polícia militar ainda bateu nele com porretes de borracha, conforme nos contou. Ele calcula que seis ou sete outros jovens foram feridos pela polícia durante e após a rebelião.74

Sufocada a rebelião, ainda segundo os jovens, a polícia militar forçou-os a tirar toda a roupa e manteve-os nus durante o resto do dia. "Fiquei nu durante todo o dia da rebelião. Não nos deixaram colocar roupa nenhuma para que não pudéssemos nos esconder se conseguíssemos escapar", contou Lucas G.. "No dia seguinte, eles permitiram que nos lavássemos. Minhas roupas desapareceram. Estou usando roupas emprestadas. Não tenho nenhuma roupa de baixo. Esta é a única muda de roupa que tenho."75 Tobias V. confirmou este relato, dizendo: "Os que participaram da rebelião tiveram que tirar suas roupas."76

Os diretores do centro de internação não parecem ter feito nenhum esforço para entrar em contato com os pais dos jovens feridos. Os pais de Hamilton só ficaram sabendo dos ferimentos de seu filho depois que seu pai ligou para o centro após ter visto uma reportagem na televisão sobre a rebelião. "Liguei para lá", contou seu pai, referindo-se ao centro de internação. "Identifiquei-me como o pai dele. Disseram-me que meu filho tinha sido ferido. Disseram também que ele não tinha participado da rebelião. Ele se escondeu no banheiro; os outros queimaram colchões. Quando estive lá, as coisas ainda estavam horríveis." Quando lhe pedimos para descrever o estado de Hamilton, ele repetiu: "Horrível. Ele tinha se queimado, mancava, seu joelho estava ferido, tinha queimaduras por todo lado. . . . Não tinha comido desde domingo. A noite de sexta e o dia inteiro do sábado sem comer, só líquidos. Horrível."77

Quando perguntamos sobre o atendimento médico prestado, todos os jovens que receberam ferimentos mais graves declararam ter recebido atendimento médico e mesmo os não implicados nos distúrbios relataram que os feridos tinham recebido atendimento médico dentro de um hora após o fim da rebelião. Tobias V. nos contou: "Depois do tiroteio, eles [os funcionários do centro de internação] cuidaram dos feridos. Cerca de 40 ou 50 minutos depois, foram levados ao hospital."78

Na manhã de segunda-feira, por ocasião de nossa visita, o pessoal do centro já tinha limpado a área em grande parte. Quando voltamos ao centro no final da semana, seu gerente, Raimundo Monteiro, garantiu-nos que a polícia militar já tinha realizado sua própria investigação e preparado um relatório. Quando lhe pedimos para ver o relatório da polícia militar, ele alegou não ter nenhuma cópia disponível.79

"Esta é a segunda rebelião em 50 dias", disse-nos o pai de Hamilton.80 "Eu vi a última", relatou Henrique O. "A polícia usou gás lacrimogêneo. Vi um garoto que tiveram que levar para o hospital."81 Flávio M., que estava no centro de internação durante o distúrbio anterior, nos disse: "A tropa de choque entrou aqui com armas, atirando nos rapazes. Eles atingiram até os que não participaram da rebelião. Foram entrando e atirando."82

Quando perguntamos por que os distúrbios haviam começado, muitos jovens responderam que as condições de internação tinham sido um fator importante. No Centro de Internação Espaço Recomeço, "existem muitos guardas que ficam batendo nos adolescentes. Esta foi uma das razões da rebelião", disse Hamilton A. Ele contou-nos um incidente no qual os guardas arrancaram um jovem de sua cela e o espancaram simplesmente porque estava conversando. "Eles fazem o que querem. Podem entrar, nos tirar da cela e nos espancar."83 Tobias V. tinha queixas semelhantes: "Foi por causa do tratamento; a comida, que nunca é suficiente; o horário de recreio. Eles mudaram isto; antes, tínhamos um dia inteiro de recreio. Agora só temos meio dia. Foi por causa de coisas assim."84

Muitas das circunstâncias específicas deste distúrbio nunca serão conhecidas. Porém o que sabemos levanta sérias dúvidas sobre as ações dos oficiais do centro de internação e da polícia militar em resposta a um distúrbio como este, do qual participou apenas um número reduzido de jovens e que ficou restrito a uma única área da unidade. Ficamos preocupados particularmente com a gravidade dos ferimentos causados pela polícia militar.

As autoridades de internação da maioria dos estados declararam que a polícia militar não entra nas instalações exceto quando solicitadas pelas autoridades. "Eles somente entram quando lhes pedimos", disse José Asenção Fonseca, diretor do Centro Esperança de São Luís. "Eles fornecem a segurança externa." 85 De forma semelhante, um acordo entre a Fundação da Criança e do Adolescente do Amapá e a polícia militar estadual especifica que "[o]s policiais militares só podem intervir no ambiente internado [do centro de internação], quando solicitados pela Coordenação da Unidade, no caso de ocorrências que coloquem em risco a integridade física das pessoas ou a preservação do patrimônioa."86

O estado do Amapá constitui um contraponto ao Pará. As autoridades de internação e a polícia militar estadual que trabalha no centro de internação Aninga de Amapá - que aloja aproximadamente o mesmo número de jovens que o Espaço Recomeço do Pará - implantaram planos para identificar riscos de segurança, permitir a coordenação entre os guardas civis e a policia militar durante os distúrbios, e garantir o respeito aos direitos dos jovens internados. Como resultado desta e de outras iniciativas, disseram, não tiveram nenhuma rebelião desde 1995. Os jovens que entrevistamos naquele estado discutiram conosco os detalhes de suas reclamações e estas não incluíam rebeliões, balas de borracha e gás lacrimogêneo.

Pelas normas internacionais, a polícia e os diretores dos centros de internação podem usar a força de forma restrita para evitar que um jovem se fira, que fira outros ou que cause danos às propriedades. O uso da força deve ser limitado aos casos excepcionais, depois de esgotar e fracassar com todos os outros métodos de controle; ela nunca deve causar humilhação ou degradação.87 Os diretores dos centros de internação devem sempre informar aos familiares sobre os ferimentos resultantes do uso da força. Nos casos em que o uso da força resulte em ferimento grave ou morte, um familiar ou outro responsável deve ser avisado imediatamente.88

Tratamento dispensado pelos guardas civis
A agressão verbal pelos guardas parece ser comum, se levarmos em conta o número de queixas que ouvimos dos jovens neste sentido. "Eles não demonstram nenhum respeito", disse Romão S., internado do Pará.89 "Alguns dos guardas nos agridem verbalmente," disse Tobias V., do Centro de Internação Espaço Recomeço do Pará.90 Quando lhe perguntamos se gostaria de mudar alguma coisa, Iolanda D. respondeu: "Os guardas poderiam ser um pouco mais sensíveis. Eles sabem ser arrogantes. Se pudesse, é isto que eu mudaria."91 Loide Gomes da Silva Ferreira, assistente social do Centro de Defesa no Maranhão, referiu-se assim à freqüente agressão verbal: "É muito prejudicial. Eles não funcionam com uma estrutura pedagógica, mas sim com uma estrutura de repressão."92

Também ouvimos relatórios de agressão física pelos guardas, apesar destes terem sido muito menos comuns. Romão S. voltou ao tema do tratamento dado pelos guardas mais tarde na entrevista, dizendo que quando estava no Centro de Internação Espaço Recomeço, "havia muito desrespeito. . . . alguns dos guardas são bons, mas não todos. Tem alguns que acham que isto aqui é uma prisão [de adultos]. Eles batem nas pessoas. Tinha disso lá."93

Com a louvável exceção das autoridades do estado do Amazonas, as autoridades de internação tendiam a rejeitar os relatos de violência física pelos guardas. "Os problemas existem nas delegacias ou entre os próprios adolescentes", disse Raimundo Monteiro, diretor do Centro de Internação Espaço Recomeço. "Aqui conversamos com os adolescentes e tentamos resolver a situação."94

No Amazonas, Paulo Sampaio abordou a questão em resposta a uma pergunta sobre a violência perpetrada pelos próprios jovens. "Nos últimos quatro anos, não tivemos nenhuma rebelião", disse ele. "O que temos é a violência cometida pelos guardas. Já criamos um procedimento administrativo. . . . A resposta depende de cada caso. O guarda pode ser demitido, suspenso ou sofrer uma reprimenda. Nós investigamos por que o incidente ocorreu."95 O estado abriu 38 investigações de guardas em 2001 e sete delas nos primeiros quatro meses de 2002.96

No entanto, ouvimos relatos conflitantes sobre o progresso de uma dessas investigações, relativa a um guarda do centro de detenção Raimundo Parente. Conforme nos disse o diretor do centro: "Tivemos recentemente um confronto entre um adolescente e um guarda. O menor fugiu, mas quando o trouxeram de volta, houve uma discussão entre eles, e o guarda agrediu o adolescente. O guarda foi suspenso e não trabalha mais nesta unidade. Mas o garoto ainda está aqui."97 No entanto, Orlando S., o jovem de 15 anos envolvido no incidente, informou-nos: "Foi um guarda que estava de plantão quando eu fugi. Quando retornei, ele me agrediu fisicamente. Eram umas 21:00 horas quando estávamos no banheiro pela última vez naquela noite. Ele me agrediu. Eu caí no chão e ele me bateu no braço. Primeiro ele me atingiu atrás do pescoço e nas pernas. Depois que eu caí, ele me bateu nos braços e no peito." O jovem relatou ainda que falou com o diretor e compareceu a uma audiência três semanas depois. "Fui à audiência e descrevi o que tinha acontecido. Havia testemunhas, dois outros adolescentes que se encontravam no banheiro comigo naquele momento. Mas o guarda continua aqui. Ele está aqui hoje e seu horário de plantão é agora mesmo", disse ainda. Quando lhe perguntamos se esta era a primeira vez que via o guarda desde a data da audiência, ele respondeu: "Eu vi o guarda há quatro dias. . . . Ele trabalhou o dia inteiro." Orlando ainda não sabia se sua queixa contra o guarda tinha sido resolvida ou não.98

No Amapá, Amazonas e Maranhão, onde certas reformas foram aprovadas em anos recentes, alguns jovens deram a entender que os guardas contratados antes das reformas eram geralmente os que tinham um comportamento agressivo. Por exemplo, Patrícia D. descreveu a maioria dos guardas de Aninga como "amigos", dizendo que tratavam bem a ela e a outras meninas. "Eram apenas os educadores mais velhos que não o faziam. Eles não tinham o mesmo tipo de contrato com o governo. Não tiveram o mesmo tipo de treinamento ou cursos. . . . Alguns destes educadores não sabiam como trabalhar com os adolescentes."99 De forma similar, falando de uma época em que os jovens ficavam presos nas delegacias e não nos centros de internação juvenil, Loide Ferreira comentou: "Alguns são muito agressivos, sobretudo os da época do xadrez. Naquela época, a ordem era: `Pode bater'."100 Sampaio nos disse: "Isto não acontece com os novos guardas, mas sim com os remanescentes do sistema antigo. Tivemos que mantê-los no quadro apesar de não terem passado pelo treinamento que damos aos novos."101

Processo de Queixa
Quando inquirimos sobre os procedimentos para apresentar queixas contra guardas ou a polícia militar, todos os oficiais prisionais nos afiançaram que estavam disponíveis para receber os jovens que desejassem levantar questões. O seguinte relato do "processo de queixa" do Centro de Juventude Esperança no Maranhão é típico dos que ouvimos: "Temos reuniões sistemáticas a cada quinze dias", disse José Asenção Fonseca, diretor do centro. "Eles [os jovens internados] nos procuram quanto necessitam de discutir conosco seu caso particular. Dizem apenas: `Desejo falar com o diretor.'"102

As normas internacionais sugerem o estabelecimento de mecanismos eficazes de apresentação de queixas em todo centro de internação. No mínimo, além de dar a oportunidade de apresentar as queixas ao diretor e ao seu representante autorizado, todo centro de internação deveria garantir a existência dos seguintes aspectos básicos de processo eficaz de queixa:

    · O direito de fazer uma solicitação ou apresentar uma queixa (sem censura do conteúdo) à administração central, à autoridade judicial, ou a outras autoridades relevantes. 103
    · O direito de ser informado prontamente quanto à resposta a uma solicitação ou queixa.104
    · O direito de obter auxílio normal de familiares, advogados, grupos humanitários ou outras pessoas ou entidades com o fim de apresentar queixas. Em particular, as crianças analfabetas devem receber o auxílio de que necessitam para preparar e apresentar suas queixas.105

Além disso, as normas internacionais recomendam o estabelecimento de um órgão independente, como o de ouvidor, para receber e investigar queixas feitas por crianças privadas de sua liberdade.106

54 Ver Human Rights Watch, O Brasil atrás das grades, pp. 85-111.

55 Entrevista da Human Rights Watch com Paulo Sampaio, 22 de abril de 2002.

56 Entrevista da Human Rights Watch, Macapá, Amapá, 16 de abril de 2002.

57 Entrevista da Human Rights Watch, Santana, Amapá, 16 de abril de 2002.

58 Entrevista da Human Rights Watch, Macapá, Amapá, 15 de abril de 2002.

59 Entrevista da Human Rights Watch, Santana, Amapá, 16 de abril de 2002.

60 Entrevista da Human Rights Watch, Macapá, Amapá, 16 de abril de 2002.

61 Entrevista da Human Rights Watch com Raimundo Monteiro e Maria Luiza Jarolim, psicóloga, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002; Raimundo Monteiro, 12 de abril de 2002. Ver também "Adolescentes infratores do EREC se rebelam e fazem reféns," O Liberal (Belém), 6 de abril de 2002, p. 9; "Rebelião do EREC dura sete horas e termina com fuga de 4 adolescentes," O Liberal (Belém), 7 de abril de 2002, p. 11.

62 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananindeua, Pará, 12 de abril de 2002.

63 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

64 Entrevista da Human Rights Watch com Raimundo Monteiro, 8 de abril de 2002.

65 Ibid.

66 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

67 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

68 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

69 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

70 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

71 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

72 Entrevista da Human Rights Watch, Anexo do Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

73 Entrevista da Human Rights Watch, Anexo do Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

74 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002

75 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

76 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

77 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

78 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

79 Entrevista da Human Rights Watch com Raimundo Monteiro, 12 de abril de 2002.

80 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

81 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

82 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Juvenil Masculino, Ananideua, Pará, 10 de abril de 2002.

83 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

84 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

85 Entrevista da Human Rights Watch com José Asenção Fonseca, diretor do Centro de Juventude Esperança, 19 de abril de 2002.

86 Governo do Estado do Amapá, Fundação da Criança e do Adolescente, Projeto Aninga: sistema de contenção e segurança (Macapá, Amapá: Fundação da Criança e do Adolescente, 2002), p. 9.

87 Ver Regras da ONU para a Proteção de Jovens, art. 64.

88 A Regra 56 da ONU para a Proteção de Jovens dispõe: "A família ou tutor de um jovem ou de qualquer pessoa indicada pelo jovem tem o direito de ser informada pelo estado da saúde do jovem, quando solicitado e quando ocorrerem mudanças importantes no estado de saúde do mesmo. O diretor da unidade de detenção deve avisar imediatamente a família ou tutor do jovem em questão, ou a outra pessoa indicada, em caso de morte ou ferimento grave." Ibid., art. 56.

89 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Juvenil Masculino, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

90 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação Espaço Recomeço, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

91 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação de Adolescentes Feminino, Ananideua, Pará, 11 de abril de 2002.

92 Entrevista da Human Rights Watch com Loide Gomes, 18 de abril de 2002.

93 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Juvenil Masculino, Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

94 Entrevista da Human Rights Watch com Raimundo Monteiro, 12 de abril de 2002.

95 Entrevista da Human Rights Watch com Paulo Sampaio, 22 de abril de 2002.

96 Comissão de Sindicância, Secretaria de Estado do Trabalho e Assistência Social, Governo do Estado do Amazonas, "Relatórios de sindicância realizados no período de 2001 até abril de 2002", 23 de abril de 2002 (dos arquivos da Human Rights Watch).

97 Entrevista da Human Rights Watch com Mário Nobel Rebelo, diretor do Centro Sócio-Educativo Senador Raimundo Parente, Manaus, Amazonas, 23 de abril de 2002.

98 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Senador Raimundo Parente, Manaus, Amazonas, 23 de abril de 2002.

99 Entrevista da Human Rights Watch, Santana, Amapá, 16 de abril de 2002.

100 Entrevista da Human Rights Watch com Loide Gomes, 18 de abril de 2002.

101 Entrevista da Human Rights Watch com Paulo Sampaio, 22 de abril de 2002.

102 Entrevista da Human Rights Watch com José Fonseca, 19 de abril de 2002.

103 Regras da ONU para a Proteção de Jovens, art. 76.

104 Ibid.

105 Ibid., art. 78.

106 Ibid., art. 77.


Voltar
Bajar en formato pdf

I. RESUMO

II. RECOMENDAÇÕES

III. UMA VISÃO GERAL DA DETENÇÃO JUVENIL NO NORTE DO BRASIL

IV. MAUS TRATOS PELA POLÍCIA MILITAR E GUARDAS CIVIS

V. USO EXCESSIVO DA CONTENÇÃO

VI. VIOLÊNCIA ENTRE JOVENS

VII. CONDIÇÕES DE VIDA

VIII. EDUCAÇÃO

IX. SERVIÇOS MÉDICOS E DE SAÚDE MENTAL

AGRADECIMENTOS

HRW Logo

Copyright Human Rights Watch 2000
350 Fifth Avenue, 34th Floor, New York, NY 10118 Estados Unidos