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Confinamento Cruel: Abusos contra crianças detidas no norte do Brasil

IX. SERVIÇOS MÉDICOS E DE SAÚDE MENTAL

Todas as unidades que visitamos oferecem alguns serviços médicos básicos aos detentos e a maioria dos jovens relataram que tinham acesso ao pessoal médico quando solicitavam. No entanto, não se oferecia rotineiramente exames ginecológicos às adolescentes e nem todos os jovens passavam por exames médicos de rotina ao chegarem aos centros.

Assistentes sociais e, em alguns centros, psicólogos do quadro interno têm um papel inestimável no fornecimento de serviços básicos de saúde mental a jovens em detenção, mesmo que estes serviços não sejam parte de suas responsabilidades primárias. Conversamos com alguns jovens que reconheceram que estes profissionais do quadro realmente os ajudaram em períodos difíceis de ajuste à vida em detenção.

Finalmente, os jovens de todas as unidades, à exceção da Casa do Adolescente (centro de internação masculino de Rondônia), disseram-nos que tinham recebido informações relacionadas à saúde enquanto se encontravam em detenção.

Atendimento médico geral
A maioria dos jovens relataram ter consultado o pessoal médico durante o tempo em que estiveram detidos; relataram também pouca demora para ver uma pessoa do quadro, depois de pedir.

Mas nas unidades que dependem de serviços comunitários de saúde ao invés de ter seu próprio quadro médico interno, os jovens relataram ter esperado um pouco mais pelo atendimento. Lincoln E., detido no centro de internação Aninga, disse: "Não há enfermeiros no centro. Toda vez que precisamos de um enfermeiro, temos que ir ao hospital." Mesmo assim, ele disse que conseguia ver um enfermeiro um dia depois de pedir ao pessoal do centro de internação.21

De forma semelhante, os jovens que necessitavam de tratamento que o próprio pessoal do centro de internação não podia fornecer relataram que foram transferidos rapidamente aos hospitais da área. Maurício B., detido no centro Dagmar Feitoza do Amazonas, disse que quando ficou doente, "o enfermeiro me levou ao médico. Isto ocorreu no mesmo dia. Eu falei com o guarda, depois fui ver o enfermeiro e finalmente fui ver o médico no hospital."22

Mas no caso de Graça Q., a demora foi muito maior. "Vi o médico duas vezes aqui no centro", ela disse. "Queria me consultar porque estava doente, minha garganta doía. Pedi aos educadores. Esperei três ou quatro dias para ver um médico."23

Ouvimos de muitos jovens dizerem, particularmente os detidos no Pará, que não foram submetidos a exame médico ao serem admitidos na instituição. Josefina S. disse que não fez exame médico ao entrar em Aninga.24 Mas Damião P., detento do centro de internação Espaço Recomeço, revelou: "Quando entrei, fiz um exame médico."25

Dirigentes dos centros de internação femininos disseram que ofereciam exames ginecológicos quando solicitados, se bem que apenas algumas adolescentes que entrevistamos disseram ter pedido ou feito um exame deste tipo. No Pará, Inês F. - grávida de sete meses à época de nossa entrevista - nos disse: "Não vi nenhum médico durante o período em que estive aqui", período este de pelo menos quatro semanas.26

Dirigentes de todos os estados reconheceram que o HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis estavam entre as principais preocupações de saúde com relação aos jovens detentos. Mas nenhum dos centros de internação visitados forneciam preservativos aos jovens.27 O mesmo ocorre nos centros que permitem que os jovens passem fins-de-semana em suas casas, se bem que os dirigentes dos centros reconheceram que estes jovens deveriam ter acesso aos preservativos. A maioria dos dirigentes considerou pouco provável que os jovens detentos tivessem relações sexuais entre si, voluntariamente ou forçados.28

No Maranhão, os jovens fazem exame de HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis depois de sua admissão no centro, de acordo com Dione Pereira. Ela nos disse que não havia nenhum jovem HIV-positivo nas unidades de detenção estaduais à época de nossa visita em abril de 2002. Dezenove jovens em detenção tinham outras doenças sexualmente transmissíveis, 10 no Centro de Juventude Esperança e nove no centro de internação pré-julgamento.29 Como o momento de nossa visita não nos permitia entrevistar jovens no Maranhão, não pudemos verificar se o pessoal médico obtinha o consentimento informado dos jovens antes de fazer os exames de HIV e se forneciam a eles um aconselhamento prévio e posterior ao exame. As Diretrizes Internacionais sobre HIV/AIDS e Direitos Humanos recomendam estas providências, entre outras razões para garantir que as práticas de saúde pública em resposta ao problema do HIV/AIDS sejam coerentes com as obrigações internacionais de direitos humanos.30

Os dirigentes no Amapá nos informaram que sabiam de uma detenta que era HIV-positiva. "Sua vida diária continuava normal. Os outros adolescentes sabem que a transmissão não é possível só pelas pessoas conversarem umas com as outras." Informaram também que ela estava recebendo atendimento médico individual da Secretaria de Saúde.31

Não ouvimos nenhum jovem reclamar da qualidade do atendimento médico, porém a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal de Deputados observou que os serviços de saúde do centro de internação pré-julgamento masculino do Pará eram inadequados, em sua visita de março de 2001:

Vários dos meninos apresentam problemas de saúde que são, simplesmente, ignorados. Pode-se afirmar que a maioria deles sofre com as doenças de pele - promovidas pelas próprias condições de encarceramento e pela rara exposição ao sol. Um dos jovens - R.S., 16 anos - relatou a necessidade de intervenção cirúrgica no estômago, já indicada há muito tempo. Há 28 dias, ele aguardava por algum encaminhamento no Ciam sem jamais ter sido examinado por um médico.32

A comissão expressou uma preocupação especial quanto ao centro de internação Espaço Recomeço, concluindo: "A situação de saúde dos detentos é preocupante. Muitos possuem doenças de pele; outros tantos sofrem com problemas dentários."33

Saúde mental
Apesar de não termos feito nenhuma tentativa de identificar as necessidades de saúde mental de jovens individuais, perguntamos sobre a disponibilidade de serviços de saúde mental em todo centro de internação que visitamos. Algumas unidades têm psicólogos no quadro e todas têm pelo menos uma assistente social.

Os jovens que receberam atendimento por parte dos serviços de saúde mental acham que tais serviços os auxiliaram durante o difícil ajuste à vida em detenção. Patrícia D., que consultou-se com um psicólogo logo depois de chegar no centro de internação Aninga do Amapá, informou à Human Rights Watch: "Eles certamente me ajudaram. Me ajudaram muito." Ela informou também que ainda mantém contato com o psicólogo.34

Vimos uma garota em Rondônia que o pessoal do centro identificou como deficiente mental. Disseram que ela não era uma detenta, mas que vivia ali porque não tinha onde ficar.35 Não ouvimos falar de nenhum outro detento com retardamento mental ou doença mental durante nossas visitas. Mas no Centro de Internação Espaço Recomeço, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal viu pelo menos dois jovens com problemas mentais que, na sua opinião, deveriam ter sido colocados em uma instituição não penal preparada para cuidar deles.36

Acesso a informações de saúde
Os jovens de todas as unidades de detenção relataram ter recebido informações sobre os problemas de saúde. AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis foram os tópicos mencionados mais freqüentemente. A forma mais comum de apresentar tais informações era através de palestras. "As pessoas aqui organizam seminários e às vezes vem gente de fora. Aprendemos sobre coisas como doenças sexualmente transmissíveis", disse Iolanda D.37 "Vem gente de fora", disse Henrique O., do Centro Sócio-Educativo Masculino do Pará. Este último nos disse que os assuntos abordados incluíam a prevenção do HIV.38 "Existem seminários sobre saúde, AIDS, doenças sexualmente transmissíveis, e outras coisas mais", disse Lincoln E.39

Os jovens comentaram que os seminários e apresentações eram mais eficazes do que os materiais impressos que não vinham acompanhados de explicações. "Eles nos deram informações no EREC [centro de internação Espaço Recomeço] também", disse Henrique O., "mas somente passando folhetos. Aqui eles fazem apresentações, várias apresentações."40

Direito ao mais alto padrão de saúde alcançável
Todas as pessoas têm o direito de gozar do mais alto padrão de saúde alcançável, direito que lhes garante o artigo 12 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, reafirmados pela Convenção sobre os Direitos da Criança, a Convenção para a Eliminação da Discriminação contra Mulheres, a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, e o Protocolo de San Salvador.41

O estado tem também uma obrigação afirmativa de atender às necessidades básicas de saúde das pessoas privadas de sua liberdade. Esta obrigação resulta do direito dos indivíduos privados de liberdade de serem tratados com humanidade e respeito pela dignidade inerente da pessoa humana, direito este garantido pelo artigo 10(1) do Pacto Internacional sobre direitos Civis e Políticos. Como observou o Comitê de Direitos Humanos, os estados têm "uma obrigação positiva diante de pessoas particularmente vulneráveis devido à sua condição como pessoas privadas de liberdade."42

As Regras da ONU para a Proteção de Jovens, "cuja intenção é estabelecer normas mínimas aceitas pelas Nações Unidas para a proteção de jovens privados da liberdade sob todas as formas",43 recomenda as seguintes medidas, entre outras, para proteger a saúde das crianças em detenção:

    · Tratamento médico adequado, tanto preventivo como remediador, inclusive o atendimento dentário, oftalmológico e mental, fornecido quando possível por meio de instalações e serviços de saúde baseados na comunidade em que a instituição se localiza.44
    · Exame por um médico imediatamente após a internação.45
    · Acesso imediato a instalações médicas adequadas e a equipamento apropriado ao número e às necessidades dos jovens detentos.46
    · Pessoal treinado no atendimento de saúde preventiva e no manejo de emergências médicas.47
    · Exame rápido pelo médico de todo jovem que esteja enfermo, reclame de qualquer problema médico ou demonstre sintomas de dificuldades físicas ou mentais.48

Crianças com doenças mentais
As Regras da ONU para a Proteção de Jovens recomendam que as crianças que estejam sofrendo de doença mental sejam "tratadas em instituições especializadas, sujeitas a administração médica independente"; as autoridades de detenção devem tomar providências para "garantir a continuidade, se necessário, do atendimento de saúde mental depois da baixa do paciente."49

De ainda maior importância, as crianças que necessitem de atendimento somente devido à doença mental não devem ser nunca internadas em unidades de detenção para jovens delinqüentes. Tal tratamento não se coaduna ao princípio internacional de que as crianças com necessidade de proteção não devem jamais ser mantidas junto a pessoas acusadas ou condenadas por terem infringido a lei. Ele também contraria o propósito da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra Pessoas Deficientes, que tem como um de seus objetivos promover a plena integração na sociedade de pessoas com deficiências.50

Informação e educação sobre questões de saúde
O direito ao gozo do mais alto padrão de saúde alcançável inclui o direito à informação e educação sobre os problemas prevalentes de saúde, e sua prevenção e controle. Os estados signatários da Convenção sobre os Direitos da Criança comprometem-se a "garantir que todos os segmentos da sociedade, particularmente pais e crianças, estejam informados, tenham acesso à educação e tenham apoio ao uso de conhecimentos básicos sobre a saúde de jovens . . . ."51 O Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, entidade que recebe relatórios sobre o cumprimento pelos países do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, interpreta o direito à saúde como incluindo o "direito de buscar, receber e transmitir informações sobre os problemas de saúde."52

Informações e educação sobre problemas de saúde são componentes particularmente importantes para que a resposta à questão do HIV e AIDS seja realmente abrangente. O Comitê sobre os Direitos da Criança recomenda que o "acesso à informação como direito fundamental da criança deve se tornar o elemento chave nas estratégias de prevenção do HIV/AIDS", uma de uma série de recomendações que a entidade fez depois de um dia de discussão sobre o HIV/AIDS e as crianças, em 1998.53 As Diretrizes da ONU sobre HIV/AIDS e Direitos Humanos, que auxiliam na interpretação das normas legais internacionais no que se refere ao HIV e AIDS, recomendam que os países "procurem garantir que as crianças e adolescentes tenham acesso adequado a serviços confidenciais de saúde sexual e reprodutiva, inclusive informação, orientação e exames de HIV/AIDS e medidas de prevenção, entre elas o uso de preservativos."54

APÊNDICE
Centros de detenção visitados para os fins deste relatório

Casa da Adolescente, Rondônia
A Casa da Adolescente é o centro de detenção feminino do estado de Rondônia. Cinco meninas estavam detidas ali por ocasião da visita da Human Rights Watch. O centro não oferece ensino às adolescentes detidas. Quando perguntamos se alguma menina do centro freqüentava a escola da comunidade, um dos funcionários da casa nos respondeu: "Não. Isto só ocorre quando o juiz determina que podemos integrar a adolescente em uma escola da [comunidade]."55 Não ocorria nenhuma atividade recreativa por ocasião de nossa visita, e não parecia também haver espaço dentro ou fora para a realização deste tipo de atividade. As adolescentes detidas no centro permaneceram trancadas em seus alojamentos durante toda a nossa visita, com muito pouco para fazer, exceto dormir ou ficar olhando pela janela. Os funcionários identificaram uma das adolescentes como deficiente mental. Disseram à Human Rights Watch que a garota não era uma detenta e que vivia no centro porque não tinha para onde ir, o que contraria as normas internacionais.56

Casa de Semiliberdade, Amapá
O Centro Semi-liberdade do Amapá tinha 28 rapazes de idade entre 15 e 20 anos. (No Brasil, os jovens podem ser mantidos em unidades de detenção juvenil até os 21 anos de idade.) O pessoal do centro relatou que a maioria dos detentos eram jovens de 19 ou 20 anos que geralmente vinham para o centro depois de servir inicialmente seis meses no centro de detenção Aninga. Os jovens sentenciados à semiliberdade dormem no centro mas podem sair durante o dia; a maioria trabalha fora do centro até quatro horas por dia. Também podem passar o fim-de-semana com suas famílias.57

Casa do Adolescente, Rondônia
Este centro de detenção masculino do estado de Rondônia abrigava 25 jovens em dois dormitórios pequenos e duas celas de punição. Existe uma nova ala em construção que, depois de terminada, aumentará a capacidade do centro. Mas, devido à prática do pessoal encarregado de separar um dos dois dormitórios para um grupo privilegiado de quatro ou cinco jovens, a maior parte dos detentos estava amontoada num espaço extremamente exíguo. As condições eram particularmente degradantes para os rapazes que se encontravam nas duas celas de punição. Muitos dos que entrevistamos disseram que não recebiam nenhuma educação escolar no centro. Os representantes do centro de detenção alegaram que os jovens passam pelo menos duas horas por dia fora de suas celas, mas conversando com os rapazes, alguns nos disseram que já tinham passado períodos de vários dias trancados em suas celas. Quando inspecionamos as instalações de recreação do centro, os encarregados nos disseram que toda tarde os rapazes jogavam bola na área de fora, e apontaram um campo de saibro cheio de materiais de construção.

Centro Educacional Açucena, Amapá
Açucena é uma unidade não residencial que supervisiona jovens condenados à liberdade assistida. Em contraste com os jovens detidos ou mantidos em semiliberdade, os jovens sujeitos à liberdade assistida continuam vivendo em suas próprias casas. Eles têm reuniões com os assistentes sociais do centro e podem participar dos programas do centro. À época de nossa visita, havia um total de 42 jovens-30 rapazes e 12 meninas-servindo sentenças de liberdade assistida sob a supervisão do centro.58

Centro Educacional Aninga, Amapá
O Centro Educacional Aninga é o centro de detenção de crianças e jovens de ambos os sexos e idades variando de 12 a 21 anos, no estado do Amapá. Em evidente contraste com outros centros de detenção que a Human Rights Watch visitou, as salas de aula de Aninga apresentavam-se limpas e bem iluminadas, com cartazes educativos e quadros informativos afixados nas paredes. À época da visita da Human Rights Watch ao Amapá em abril de 2002, o centro encontrava-se temporariamente fechado para reforma, depois que partes de suas paredes desabaram durante um período de chuvas muito fortes. No entanto, a Human Rights Watch pôde entrevistar alguns jovens deste centro que estavam temporariamente alojados, durante esse período, em cadeias de polícia e no centro de detenção pré-julgamento. As meninas comentaram que não tinham permissão para freqüentar as áreas comuns por tanto tempo como os rapazes, supostamente devido à necessidade de separar meninos e meninas. Os rapazes "recebiam mais atenção e tinham mais liberdade", uma garota disse à Human Rights Watch.59

Centro de Internação de Adolescentes Feminino (CIAF), Pará
O centro de detenção de adolescentes do sexo feminino do estado do Pará detinha 8 adolescentes por ocasião da visita da Human Rights Watch em abril de 2002. Duas estavam terminando suas sentenças de semiliberdade; seis estavam em situação de detenção pré-julgamento. O pessoal do centro de detenção nos informou que as duas adolescentes em semiliberdade iam à escola e passavam os fins-de-semana com suas famílias, porém a Human Rights Watch ouviu queixas freqüentes de que as adolescentes mantidas em detenção pré-julgamento no CIAF não tinham quase nada para fazer.

Centro de Internação Espaço Recomeço (EREC), Pará
O centro de detenção Espaço Recomeço é o maior centro de detenção juvenil masculino do estado do Pará. No dia de nossa primeira visita, havia 38 rapazes de idade entre 15 e 20 anos. O centro mantinha os jovens em três blocos de celas, geralmente com dois a quatro jovens em cada cela, mas um dos blocos tinha celas individuais. Em dois dos blocos, as celas estão enfileiradas ao longo de corredores, os quais dispõem de janelas com grades que permitem a entrada de luz e ar. As celas do terceiro bloco dão para um pátio interno a céu aberto. Havia uma cela de punição no bloco administrativo, onde encontravam-se seis jovens no dia de nossa visita. Os jovens também eram mantidos em celas de punição (individuais ou duplas) no anexo, uma ala do centro adjacente de detenção pré-julgamento. As celas do anexo enfileiravam-se ao longo de um corredor aberto. O centro tinha duas salas de aula. Uma delas estava vazia e a outra tinha um pequeno número de cadeiras e uma estante onde encontrava-se material educativo em pilhas empoeiradas. Havia uma quadra de vôlei na área externa do centro e observamos que alguns jovens a usavam em ambas as visitas que fizemos ao centro sem aviso prévio.

Centro de Internação de Adolescentes Masculino (CIAM), Pará
O centro de detenção pré-julgamento para adolescentes do sexo masculino tinha 20 rapazes no dia da visita da Human Rights Watch. As celas regulares tinham de uma a três jovens e cada um deles tinha uma cama de concreto para dormir, sobre a qual colocavam um colchão fino. As celas formavam fileiras ao longo de corredores abertos, permitindo alguma ventilação e iluminação. Observamos que havia jornais, livros, jogos e outros objetos pessoais em muitas das celas, que de modo geral encontravam-se limpas. A exceção era a cela de prisão protegida, onde havia um colchão sobre o chão e a iluminação vinha de uma lâmpada nua pendurada com os fios expostos, com a parede toda pichada. Havia uma quadra de basquete na parte de trás do centro, mas não vimos nenhum jovem utilizando-a no dia de nossa visita.

Centro de Internação Provisória, Amapá
O Centro de Internação Provisória, que é o centro de detenção pré-julgamento do estado do Amapá, está localizado atrás de um posto de polícia especializado em infratores jovens. As celas dos rapazes têm barras de metal na frente e estão alinhadas ao longo de um corredor escuro e sujo com janelas nas suas extremidades, única fonte de luz natural. As meninas estão alojadas em uma ala separada do centro, em um dos dois grandes dormitórios que existem. No dia da visita da Human Rights Watch, o centro de detenção abrigava 6 meninas e vinte rapazes. A maioria dos jovens não passa mais de 45 dias em detenção pré-julgamento, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil. No entanto, ouvimos falar de alguns casos em que o juiz ordenou a prorrogação do período de detenção pré-julgamento por mais 45 dias, o que infringe a legislação brasileira.60

Centro de Internação Provisória, Maranhão
Por ocasião da visita da Human Rights Watch, este centro detinha 15 jovens. Usado anteriormente como sede do Centro de Juventude Esperança, o centro aloja os jovens em celas que dão para um corredor mal iluminado. Uma representante do estado reconheceu que a infra-estrutura estava dilapidada e era imprópria para abrigar os jovens, concluindo: "É um problema de falta de recursos". Ela nos disse que o estado gostaria de construir uma nova instalação, semelhante em sua disposição ao Centro de Juventude Esperança.61

Centro Juvenil Masculino (CJM), Pará
Este é o mais novo dos centros de detenção juvenil do Pará e, à época da visita da Human Rights Watch, abrigava 11 rapazes de idade entre 14 e 19 anos. Os rapazes dividiam quartos duplos dispostos em torno de um pátio central aberto, onde havia uma mesa de pingue-pongue. Os próprios quartos tinham camas e cômodas e cada quarto tinha seu próprio banheiro. O número reduzido de jovens e a limpeza e organização física das instalações são os fatores positivos deste centro.

Centro Sócio-Educativo Assistente Social Dagmar Feitoza, Amazonas
Conhecido anteriormente como Complexo de Atendimento ao Adolescente Infrator, é uma de duas unidades para adolescentes sentenciados a períodos de detenção. O centro foi projetado para abrigar 70 jovens e tinha uma população de 65 no dia da visita da Human Rights Watch. Os jovens ficam detidos em três blocos de celas, cada um deles com celas alinhadas ao longo de corredores fechados. Um dos blocos de celas, a Unidade Zero, é usado para os jovens que acabam de chegar ao centro. O pessoal encarregado nos disse que os jovens passam aí 15 dias antes de serem alocados a um dos outros blocos de celas, tendo em vista o tipo de crime que cometeram, sua idade, e seu estágio de desenvolvimento físico. O pessoal do centro orgulhava-se particularmente de suas várias atividades vocacionais, que incluíam a fabricação de móveis, fabricação de cestos, e uma padaria.

Centro Sócio-Educativo Marise Mendes, Amazonas
O centro de detenção Marise Mendes detinha 24 garotas no dia da visita da Human Rights Watch em abril de 2002. Com apenas dois dormitórios no centro, as adolescentes abarrotavam-se em espaço muito exíguo, o que freqüentemente levava a conflitos. Para resolver esta situação, é comum o pessoal separar as adolescentes que entram em conflito com outras no dormitório, colocando-as em uma das várias celas de punição sem janelas. O centro tinha uma sala de aula que estava sendo usada durante nossa visita, porém não tinha nenhuma área externa de recreação. "Do jeito que está a infra-estrutura deste lugar, fica difícil executarmos nosso trabalho", disse o diretor do centro à Human Rights Watch.62

Centro Sócio-Educativo Masculino (CESEM), Pará
Da mesma forma que o Centro Juvenil Masculino, esta unidade abrigava os jovens em quartos equipados com camas e cômodas. Por ocasião de nossa visita, eram 11 rapazes de idade entre 14 a 18 anos de idade. A maioria dos jovens tinha passado algum tempo no centro de detenção Espaço Recomeço antes de serem transferidos para o CESEM. Este centro tinha os regulamentos de visitas mais liberais dos cinco centros de detenção do Pará, permitindo que a maioria dos jovens passem um fim-de-semana a cada 15 dias com suas famílias. Além disso, os familiares podem visitar os jovens detidos no centro durante até quatro horas nos sábados e domingos.

Centro Sócio-Educativo Senador Raimundo Parente, Amazonas
Projetado para receber 40 jovens, este centro tinha uma população de 30 indivíduos no dia da visita da Human Rights Watch. O centro abriga rapazes de 12 a 16 anos de idade; os rapazes mais velhos são enviados para o centro de detenção Dagmar Feitoza. As autoridades do centro de detenção nos disseram que o centro tinha passado por grandes reformas em resposta a críticas feitas pela Amnistia Internacional;63 no escritório administrativo havia um quadro informativo documentando a renovação. O centro não oferecia ensino à época de nossa visita, mas as autoridades nos disseram que esperavam começar as aulas em breve. "O que mais necessitamos aqui é de escola", disse Orlando S. à Human Rights Watch.64

Centro de Juventude Esperança, Maranhão
Este centro tinha 52 rapazes no dia da visita da Human Rights Watch. Construído há menos de dois anos, o centro encontrava-se, de modo geral, limpo e em boas condições físicas. As celas em duas das três alas estão organizadas em forma de L, de frente para pátios abertos, permitindo que os jovens nessas celas recebam ampla luz e ventilação. O terceiro conjunto de celas também está organizado em forma de L, porém a disposição das celas é invertida e as portas de acesso às mesmas dão para corredores sem suficiente luz e ventilação. As autoridades do centro de detenção nos informaram que não sabiam porque a terceira ala havia sido construída de forma diferente das outras duas. O centro colocava na terceira ala os jovens que haviam chegado mais recentemente.

Unidade de Internação Provisória, Amazonas
A unidade de detenção pré-julgamento do Amazonas tinha cinco rapazes internados no dia de nossa visita. Eram oferecidas aulas aos jovens, que passavam até 45 dias em detenção pré-julgamento. A reclamação mais freqüente dos jovens detidos neste e em outros centros de detenção do estado não se relacionava às condições das instalações: Praticamente todo menino ou menina que entrevistamos no estado do Amazonas revelou ter sido agredido(a) por policiais enquanto se encontrava em uma cadeia de polícia local esperando transferência a uma unidade de detenção pré-julgamento. "Eles batem em você para fazer você falar", disse Maurício B. sobre a polícia.65

21 Entrevista da Human Rights Watch, Macapá, Amapá, 16 de abril de 2002.

22 Entrevista da Human Rights Watch, Manaus, Amazonas, 22 de abril de 2002.

23 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação de Adolescentes Feminino, Ananideua, Pará, 11 de abril de 2002.

24 Entrevista da Human Rights Watch, Santana, Amapá, 16 de abril de 2002.

25 Entrevista da Human Rights Watch, Anexo do Espaço Recomeço Ananideua, Pará, 8 de abril de 2002.

26 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação de Adolescentes Feminino, Ananideua, Pará, 11 de abril de 2002.

27 As Diretrizes Internacionais recomendam que as autoridades prisionais forneçam aos prisioneiros os meios de prevenção, inclusive preservativos. Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e Programa Conjunto da ONU sobre HIV/AIDS, HIV/AIDS e Direitos Humanos: Diretrizes Internacionais, No. de Venda ONU E-98-XIV.1 (1996), Diretriz 4, para. 29(e).

28 Ver também Capítulo V, "Violência Entre Jovens".

29 Entrevista da Human Rights Watch com Dione Pereira, 19 de abril de 2002.

30 HIV/AIDS e Direitos Humanos: Diretrizes Internacionais, Diretriz 3, parags. 28(b) e (c).

31 Entrevista da Human Rights Watch, Fundação da Criança e do Adolescente, 15 de abril de 2002.

32 Comissão de Direitos Humanos, IV Caravana Nacional de Direitos Humanos, p. 27.

33 Ibid., p. 31.

34 Entrevista da Human Rights Watch, Santana, Amapá, 16 de abril de 2002.

35 Entrevista da Human Rights Watch, Porto Velho, Rondônia, 25 de abril de 2002.

36 Comissão de Direitos Humanos, IV Caravana Nacional de Direitos Humanos, p. 30.

37 Entrevista da Human Rights Watch, Centro de Internação de Adolescentes Feminino, Ananideua, Pará, 11 de abril de 2002.

38 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

39 Entrevista da Human Rights Watch, Macapá, Amapá, 16 de abril de 2002.

40 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Masculino, Ananideua, Pará, 12 de abril de 2002.

41 Ver Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, art. 12; Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 24; Convenção para a Eliminação da Discriminação contra Mulheres, arts. 11.1(f) e 12; Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, adotada em 21 de dezembro de 1965, 660 U.N.T.S. 195 (entrada em vigor em 4 de janeiro de 1969, e ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968), art. 5(e)(iv); Protocolo de San Salvador, art. 10.

42 Comitê dos Direitos Humanos, Comentário Geral 21, para.3.

43 Regras da ONU para a Proteção de Jovens, art. 3.

44 Ibid., art. 49.

45 Ibid., art. 50.

46 Ibid., art. 51.

47 Ibid.

48 Ibid.

49 Ibid., art. 53.

50 Ver Convenção Interamericana sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Pessoas Deficientes, adotada em 7 de junho de 1999, O.A.S.T.S. No. - (entrada em vigor em 14 de setembro 2001). O Brasil ratificou a convenção em 17 de setembro de 2001.

51 Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 24(2)(e).

52 U.N. ECOSOC, Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 22a. sessão, item 3 da agenda, Questões Substanciais Surgidas na Implementação do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Comentário Geral No. 14 (2000): O Direito ao Mais Alto Nível de Saúde Alcançável (Artigo 12 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), U.N. Doc. E/C.12/2000/4, CESCR, para. 12(b), em Secretaria da ONU, Compilação dos Comentários Gerais e Recomendações Gerais Adotadas pelos Órgãos de Implementação dos Direitos Humanos, U.N. Doc. HRI/GEN/1/Rev.5 (26 de abril de 2001), p. 92.

53 Comitê sobre os Direitos da Criança, 19a. sessão, Discussão Geral sobre Crianças que Vivem num Mundo com AIDS, U.N. Doc. CRC/C/80 (5 de outubro de 1998), no Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, comp., Comitê sobre os Direitos da Criança: Relatórios de Dias de Discussão Geral, p. 91, para. 234(d).

54 Diretrizes sobre HIV/AIDS e Direitos Humanos, Diretriz 8(g).

55 Entrevista da Human Rights Watch com o pessoal da Casa da Adolescente, Porto Velho, Rondônia, 25 de abril de 2002.

56 Ver o Capítulo VIII, seção "Crianças com doenças mentais".

57 Entrevista da Human Rights Watch com o pessoal da Casa de Semiliberdade, Macapá, Amapá, 15 de abril de 2002. Ver também Governo do Estado do Amapá, Fundação da Criança e do Adolescente, Política de Ação, págs. 67-75.

58 Entrevista da Human Rights Watch com o pessoal do Centro Educacional Açucena, Santana, Amapá, 16 de abril de 2002. Ver também Governo do Estado do Amapá, Fundação da Criança e do Adolescente, Política de Ação (Macapá, Amapá: FCRIA, 2001), págs. 59-66.

59 Entrevista da Human Rights Watch com Patrícia D., Santana, Amapá, 16 de abril de 2002.

60 Ver Capítulo III, seção "Estatuto da Criança e do Adolescente".

61 Entrevista da Human Rights Watch com o Centro de Internação Provisória, São Luís, Maranhão, 19 de abril de 2002.

62 Entrevista da Human Rights Watch com Francisca Auziva Ataidi Elgaly, diretora do Centro Sócio-Educativo Marise Mendes, Manaus, Amazonas, 22 de abril de 2002.

63 Ver, por exemplo, Amnistia Internacional, Brazil: A Waste of Lives: FEBEM Juvenile Detention Centers, São Paulo-A Human Rights Crisis, not a Public Security Issue [Brasil: Um desperdício de vidas: Centros de detenção juvenil da FEBEM, São Paulo-Uma crise de direitos humanos, e não uma questão de segurança pública] (Londres: Amnistia Internacional, 2000), págs. 3-4 (relatando as constatações de uma visita feita ao centro de detenção Raimundo Parente).

64 Entrevista da Human Rights Watch, Centro Sócio-Educativo Senador Raimundo Parente, Manaus, Amazonas, 23 de abril de 2002.

65 Entrevistas da Human Rights Watch, Unidade de Internação Provisória, Manaus, Amazonas, 23 de abril de 2002.


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I. RESUMO

II. RECOMENDAÇÕES

III. UMA VISÃO GERAL DA DETENÇÃO JUVENIL NO NORTE DO BRASIL

IV. MAUS TRATOS PELA POLÍCIA MILITAR E GUARDAS CIVIS

V. USO EXCESSIVO DA CONTENÇÃO

VI. VIOLÊNCIA ENTRE JOVENS

VII. CONDIÇÕES DE VIDA

VIII. EDUCAÇÃO

IX. SERVIÇOS MÉDICOS E DE SAÚDE MENTAL

AGRADECIMENTOS

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